Na Guiné-Bissau, tal como em muitos países de África, as línguas são muitas porque os grupos étnicos são vários, possuindo cada um a sua língua. Porém, no caso específico do meu país, para além das línguas usadas por cada um dos grupos étnicos, existe uma língua franca falada por cerca de 70 por cento da população de todo o país, o crioulo de base portuguesa, e uma língua oficial utilizada na administração e no ensino, o português, dominado por cerca de 12 por cento da população guineense.
Esta realidade linguística da Guiné-Bissau vê-se logo que um bebé nasce: às vezes, mesmo antes da sua nascença, a preocupação dos pais é se será menina ou rapaz e qual o nome a dar ao futuro hóspede. Na maioria dos grupos étnicos guineenses a preocupação ou curiosidade é maior em relação ao sexo da criança, porque, no que respeita ao nome do recém-nascido, as circunstâncias em que o bebé nascer, a relação entre os pais da criança, a relação da mãe da criança com as suas rivais – em caso dos casamentos políginos –, a relação dos pais com a comunidade, é que ditam o nome. Por exemplo, na etnia mandinga, a uma criança desejada, muitas vezes é posto o nome de Meta «aquele(a) que é esperado(a) há muito tempo».
A criança de cuja saúde todos duvidam porque a mãe teve uma gravidez difícil, mas que no entanto nasceu de boa saúde – e se se surpreender a mãe a olhar longamente para o filho nos primeiros momentos de vida deste –, pode vir a chamar-se Ntinhina, «estou a ver, mas não acredito no que vejo».
Por vezes, há contradições entre os habitantes de uma aldeia, mas embora de cunho doméstico, muitas vezes dão origem a graves conflitos. Quando uma das pessoas envolvidas numa dessas desavenças vier a ter bebé, à criança pode chamar-se Busnassum «deixem-me em paz/parem de falar de mim”» ou ainda Midana «não leve em conta/ releve/jogue tudo para o alto», e todos estes três exemplos referem-se à etnia balanta.
Quando os pais, sobretudo o pai da criança, aspiram a que o filho venha a reinar, ou, ainda, quando os pais pertencem a uma família da linhagem nobre, ao filho pode ser posto o nome de Nassin «chefe da aldeia».
Em circunstâncias diferentes desta última, mas em que, com orgulho, os pais do recém-nascido entendem que a vinda da criança trouxe harmonia em casa e na tabanca, o nome dessa criança pode eventualmente ser Bufétar «amigo/camarada», na etnia manjaco.
Já na etnia mancanha, quando se espera um futuro melhor tanto para a criança recém-nascida como para toda a aldeia, o nome adoptado pode ser Ulilé «há-de melhorar/há-de ser bom».
E, assim por diante, os nomes acabam sendo parte da vida da comunidade e das pessoas que nela vivem. Cada membro da comunidade acaba sendo, através do seu nome, portador de mensagens das contradições, das amizades, dos desejos e das aspirações de que é feita a convivência entre as pessoas duma comunidade. Por isso, «a nossa relação com a vida, o espaço em que essa relação decorre, tudo e todos quantos, em interacção connosco, aí vivem, passam e deixam rastos, acabam por ser a nossa poesia, o nosso desabafo triste ou alegre...»
E nesse desabafo/ Silêncio falante/ Choro cantado/ Querer desconseguido/ Que mais poderá ser a língua senão um instrumento fenomenal de comunicação entre os seres humanos?
E enquanto nós comunicamos, o latim vagueia no português que se fala um pouco por todo o mundo, no crioulo da Guiné-Bissau, no crioulo de Cabo Verde, no crioulo de São Tomé e Príncipe, no papiá cristão do bairro de pescadores em Malaca, em pó pairando no eco da fala das gentes ou diluído no mar onde navegou o substrato dessas línguas e dialectos.