Já por várias vezes me interroguei nesta crónica: para que serve a CPLP? Como é óbvio, não tenho a menor má vontade. Contra uma instituição? É portanto uma interrogação feita de boa-fé. Para que serve? No Brasil, ninguém sabe o que seja. Uma aluna que esteve presente no congresso da AULP em Macau (projecto generoso e bem intencionado) afirmava que em vários anos de curso nunca ninguém lhe falara na CPLP. Mas basta conversar com qualquer brasileiro ligado à promoção da cultura portuguesa para compreender que é assim mesmo: trata-se apenas de uma sigla misteriosa e complicada que parece corresponder a uma estranha entidade fantasmática.
Os africanos, esses, ouviram falar, sobretudo porque a instrumentalizam na medida do possível (um escasso possível). E têm sempre um terrível medo, algo obsessivo, e um pouco absurdo, que é o da "lusofonia". Querem tudo excepto a "lusofonia". Querem tudo mas evocam sempre o modelo restritivo da "francofonia".
Do ponto de vista dos dinheiros, os brasileiros lá pagam umas coisas, os africanos não têm dinheiro para isso. Donde, trata-se de uma pequena brincadeira orçamental predominantemente portuguesa. Queremos ter, fazemos, é um luxo das ficções do nosso poder. A sede está em Portugal, os responsáveis também. Não vale a pena voltar a tentar a experiência frustrante do Instituto da Língua Portuguesa, que tinha por forma de existir um presidente e um secretário que viviam em Cabo Verde o "deserto dos tártaros".
Acontece ainda o seguinte. Em dada altura, os brasileiros enviaram para responsável da organização uma brasileira que na sua terra se havia destacado pela sua incompetência e mau feitio. A senhora veio, eles viram-se livres dela, e parece que a sua grande acção foi pôr na rua um certo número de funcionários sem qualquer justificação plausível. Estes, não tendo apreciado tão simpática e equilibrada actuação, puseram a CPLP em tribunal e ganharam todas as causas. Segundo se diz (não vi números), o orçamento da CPLP vai na sua quase totalidade para pagar as indemnizações aos funcionários despedidos. É um caso de justiça, mas certamente de má política cultural.
Quanto ao resto, a CPLP tenta existir mas não consegue: é apenas um mau jogo de sons onde sempre se tropeça ingloriamente. Nós, portugueses, que tínhamos imensas coisas em que gastar o dinheiro, continuamos a pagar esta invenção absurda. Ainda agora, na crise de Timor, a CPLP foi mais uma vez completamente inútil. Brilhou pela ausência.
Temos dificuldades a cumprir, temos projectos a pôr em prática. Para que queremos esta CPLP senão por um determinado valor simbólico que tem laivos de neocolonialismo? Deixemos instituições como estas entregues ao seu triste destino, que é o da morte morrida.
in "Público” de 20 de Junho de 2006, com o título "As ficções do poder"