DÚVIDAS

ARTIGOS

O nosso idioma // Literatura

A Nossa Língua

 

Manteve-se a grafia original do texto publicado em Língua Vernácula, de José de Sá Nunes, ed. Livraria da Globo, 1937, pp. 374-376, Porto Alegre.

 

     Há por aí uns chorões que não perdem oportunidade de mostrar as suas lágrimas de tristeza «porque herdamos, para nosso uso, uma língua fechada e difícil.»
     Variam ao infinito as formas por que os maldizentes xingam a esplêndida língua portuguesa que falam; mas esta de a acharem uma língua pouco falada é o pelouro com que mais se comprazem de a ferir.
     Ora, ainda não há muito faleceu em S. Paulo um ilustre gramático, mestre doutíssimo, que se dera ao trabalho de contar por milhões os que falam a língua portuguesa nos dois hemisférios, nas cinco partes do mundo;  e contou cêrca de cinqënta milhões.
     Ainda não era, porém, conhecido o Brasil, hoje povoado com muito mais de trinta milhões de habitantes, e Portugal e suas possessões, quando Camões escreveu Os Lusíadas. Estaria, portanto, a língua portuguesa muito mais “fechada”... Pois, assim mesmo,  Os Lusíadas foram apreciados em Espanha, onde se fizeram sete traduções desde 1580; na França, onde há vinte e cinco traduções desde 1735 até hoje; na Itália – onze traduções diversas, sendo a primeira em 1658; na Inglaterra – dezoito traduções, sendo a primeira de 1655; na Alemanha – dezasste traduções; enfim, na Holanda, na Polônia, na Boêmia, na Dinamarca, na Hungria, na Suécia, na Rússia, na Grécia... e, até, em hebraico e em latim o poema foi traduzido.
     Era a mesma língua que os chorões agora xingam de «fechada e difícil», mas não escapou às nações cultas o monumento literário...
     Se naquele tempo não houve fechadura nem dificuldades, é lógico supor que também não as haverá hoje. A questão, pois, será de haver coisa que interesse aos leitores estrangeiros...
     Em conferência pública na Biblioteca Nacional, o letrado professor da Faculdade de Medicina, dr. Afrânio Peixoto vulgarizou o que em bem da nossa língua externaram autores estrangeiros; mostrou o aprêço em que a tem o erudito Edgar Prestage, do King’s College, em Londres; e, por sua vez, a engalanou de adjetivos pomposos e ridentes, como se fôssem virenes festões de flores:
     «Assim como a gente não escolhe os seus parentes (e, mercê de Deus, os nossos foram ilustres), também não escolhe a linguagem que balbucia; e bem-aventurados os brasileiros, porque essa é a ilustre língua portuguesa.
      «Deu-nos Portugal esta casta e sonora, forte e pulida língua portuguesa para a honrarmos e acrescentarmos na divulgação do grande povo que havemos de ser.»
     Estes dois parágrafos são do festejado acadêmico e abalizado professor. O segundo parece endereçado especialmente aos chorões, que não perdem oportunidade de mostrar lágrimas de tristeza, porque «herdamos para nosso uso uma língua fechada e difícil. »
     Honrem-na e acrecentem-na. Depreciá-la é gesto infeliz e mau sintoma.



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