O nosso idioma // O português em Angola
«Deu-me com um "porete" na "concha"»
A interdição do comércio informal nas ruas de Luanda leva a situações como esta, descrita pelo jornalista e professor de Português Edno Pimentel, em crónica publicada no semanário Nova Gazeta de 30/01/2014. Fugindo da polícia, a confusão da vendedora ambulante – zungueira, no português coloquial de Angola – até começou por ser...linguística.
 «Amanhã, as coisas vão estar complicadas. Com os polícias atrás das pessoas como se fôssemos bichos, não sei aonde mais é que vamos vender», diz uma zungueira em conversa com uma colega depois de uma corrida de cães (de raça pastor alemão), por venderem em locais proibidos.
«Amanhã, as coisas vão estar complicadas. Com os polícias atrás das pessoas como se fôssemos bichos, não sei aonde mais é que vamos vender», diz uma zungueira em conversa com uma colega depois de uma corrida de cães (de raça pastor alemão), por venderem em locais proibidos.
Mas isso não é de hoje. Há muito que o Governo quer acabar com a zunga, sobretudo, com a venda nas bermas das estradas, mas não tem tido sucesso, porque os vendedores nunca desistem apesar de, muitas vezes, perderem dinheiro e haveres.
Hoje, por exemplo, nos arredores do mercado dos ‘Congolenses’, várias senhoras com bebés às costas, bacias completamente carregadas à cabeça fugiam de forma desgovernada da polícia. «Estão a fugir mais porquê?», pergunta um taxista. «Então não são vocês que dizem que os teimosos somos nós?», continua, referindo-se ao facto de eles pararem para carregar em locais proibidos.
«Não te metas comigo, estás a ouvir? Só Deus sabe onde passo para conseguir um bocado de dinheiro e dar o sustento aos meus filhos, seu… não me faz falar essa hora, ah!», responde.
A amiga, em desespero, passa bem em frente ao carro que eu dirigia, sem se aperceber que do outro lado estava um polícia com um cacete. «Ma Fatita, corre!», avisa a colega. «Vou fugir mais porquê, se ele já me deu com o porete da minha concha?”, responde.
Mas não era verdade porque eu estava muito próximo e parado no engarrafamento daqueles. Nem que o agente quisesse, não seria possível bater em qualquer parte do corpo dela, muito menos na concha.
Se o agente quisesse, seria, talvez no braço ou na coxa, ainda assim não o fez. Ele carregava consigo um porrete com o qual afugentava os vendedores teimosos.
A concha é colher de tirar a sopa ou a protecção de certos animais. O que a zungueira fazia referência não tinha nada que ver com isso. Era a coxa, parte do membro inferior (ou perna) cujo esqueleto é o fémur.
Muitas senhoras vendem coxas de galinha fritas para fazer magoga e vender nas paragens proibidas de táxis.
Outros textos de Edno Pimentel sobre o português de Angola
in semanário Nova Gazeta, de Luanda, publicado no dia 30 de janeiro de 2014 na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.
