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Pelourinho // Mau uso da língua no espaço público

Pecadilhos de uma transcrição

Uma entrevista do Expresso (Primeiro Caderno, 5 de julho de 2014, p. 23) a Maria de Lurdes Rodrigues constitui um bom exemplo do que não deve ser uma transcrição.

Aos erros óbvios, como por exemplo este se não que deveria ser senão:

«Vale mais aprofundar o conhecimento do que são os programas ideológicos dos partidos para a educação e identificar, como se fez no início dos anos 80, uma base comum de trabalho. Se não vamos estar neste pingue-pongue. Muda o governo e há a tentativa de, sem mexer na lei de bases, ir contra ela»;

Ou a este tem, que deveria ser têm:

«A redução de professores fez-se diminuindo o serviço público de educação: os alunos tem hoje menos contacto com os docentes e isso é crítico. Em Portugal, não é facilmente que uma hora na escola é substituída por trabalho em casa, já que a maior parte dos adultos não tem qualificações para fazer esse acompanhamento»;

junta-se uma transcrição demasiado literal.

A título de exemplo, neste último trecho, poder-se-ia, intervindo mais no texto, mas mantendo inteira fidelidade ao pensamento e às palavras da entrevistada, reformular a segunda frase, de modo a eliminar as duas ocorrências de «é» e a conferir-lhe maior fluidez. Por exemplo:

«A redução de professores fez-se diminuindo o serviço público de educação: os alunos têm hoje menos contacto com os docentes e isso é crítico. Em Portugal, não se substitui facilmente uma hora na escola por trabalho em casa, uma vez que a maior parte dos adultos não tem qualificações para fazer esse acompanhamento».

É que transcrever uma entrevista não é reproduzir ipsis verbis o que disse o entrevistado. Transcrever uma entrevista implica adaptar o que é dito à sintaxe da escrita, ainda que preservando as marcas da oralidade. Além de necessariamente se revestir de um (ainda) maior cuidado com erros ortográficos e sintáticos, por se estar a transcrever palavras de terceiros…

P.S. – «Vale mais aprofundar […] os programas […] e identificar uma base de trabalho. [De contrário/De outro modo/Senão] «vamos estar neste pingue-pongue»;

também possível – ainda que mais rebuscado – ler ali os verbos subentendidos:

«Vale mais aprofundar […] os programas […] e identificar uma base de trabalho. Se não [o fizermos/«aprofundarmos» e «identificarmos»] «vamos estar neste pingue-pongue».

 

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