«Baseado nas fontes por mim adoptadas (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, no S.O.S. Língua Portuguesa, da autoria de Sandra Duarte Tavares e Sara de Almeida Leite) – escreveu o provedor do jornal “Público”, na edição do dia 24/08 –, malogrei na convicção de que a forma correcta era “precariedade”. Afinal, as duas formas são admitidas.»
Não, não são admitidas – ripostam as duas autoras, em “Polémicas linguísticas” carta enviada a José Manuel Paquete de Oliveira, que se transcreve a seguir, na íntegra.
[Sobre esta controvérsia, ver ainda: Precariedade “versus” “precaridade” + Precariedade, sem aspas + Polémicas linguísticas]
Em Repetido erro, inserto na rubrica Correio Leitores da coluna do provedor do leitor do jornal “Público” de 24/08], aludindo a uma crítica do director-geral do Tribunal de Contas, José Manuel Paquete de Oliveira lamentou (...) o facto de ter consultado o nosso livro, SOS Língua Portuguesa, afirmando que a informação que nele encontrou relativamente à grafia da palavra precariedade estava incorrecta. Eis o excerto do seu texto:
«Baseado nas fontes por mim adoptadas (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, no S.O.S. Língua Portuguesa, da autoria de Sandra Duarte Tavares e Sara de Almeida Leite) malogrei na convicção de que a forma correcta era «precariedade». Afinal, as duas formas são admitidas.»
Em face das suas palavras, não podemos deixar de lhe pedir que as reconsidere. E nosso motivo não se prende apenas com o facto de com elas sugerir que o guia de língua portuguesa de que somos autoras o induziu em erro. Gostaríamos, sobretudo, de lhe fornecer bons argumentos para que não sinta necessidade de se "penitenciar" por acreditar que precariedade é a forma mais adequada do nome que designa a qualidade do que é precário.
Já notou, certamente, que a simples atestação de uma palavra num dicionário não significa que se recomenda o uso dessa forma particular, pois muitas vezes trata-se apenas de dar conta de formas desviantes que ainda assim se vão popularizando. É o que acontece com “destabilizar” (desestabilizar), “ortiga” (urtiga) e “insonso” (insosso), para dar apenas três exemplos (todos eles contemplados no Dicionário da Língua Portuguesa da Infopédia, em linha), entre tantas outras variantes de palavras que os falantes cultos, no entanto, continuam a preferir empregar nas formas mais correctas.
Ora, a forma precaridade constitui um barbarismo que muitos dicionários não atestam (veja, por exemplo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, do Círculo de Leitores, ou o já mencionado Dicionário da Língua Portuguesa da Infopédia) e que outros registam com a indicação de se tratar de uma forma aceitável, mas não preferível (por exemplo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora).
O argumento linguístico para que a forma precariedade deva ser preferida como a única correcta é lógico e fácil de compreender, embora, naturalmente, os falantes comuns tenham tendência para ignorar esse tipo de explicações: os adjectivos que terminam em ditongo (io), de que são exemplo "voluntário, solidário, hereditário, arbitrário", formam os seus nomes correspondentes por intermédio do sufixo -iedade: "voluntariedade, solidariedade, hereditariedade, arbitrariedade". Assim, respeitando esta regra morfológica, também esse mesmo sufixo se associa ao adjectivo "precário", dando origem ao nome "precariedade".
Já os adjectivos que não terminam em ditongo, de que são exemplo "digno, severo, afectivo, brutal, claro", formam os seus nomes correspondentes por intermédio do sufixo -idade: «dignidade, severidade, afectividade, brutalidade, claridade».
Independentemente deste argumento, queira notar ainda que os títulos mencionados pelo director-geral do Tribunal de Contas não são todos de autores distintos nem esgotam (pelo contrário) o rol de obras de referência no que ao bom uso da língua portuguesa diz respeito.
Assim, esperando que não continue a considerar que é malograda a convicção de que precariedade é a forma correcta, reiteramos a nossa total concordância com a sua posição inicial: a da «estranha simplicidade», que é afinal a mais sensata, por mais que haja quem a ponha em causa.
carta enviada ao provedor do leitor do Público, José Manuel Paquete de Oliveira, que a cita na sua crónica de 31 de agosto de 2014. Respeitou-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida pelo jornal português.