A trágica derrocada na pedreira de Borba [no dia 19/11/2018] trouxe à boca dos portugueses a palavra “mármore”. Será que os nossos decisores políticos, os nossos jornalistas e comentadores de serviço e o cidadão comum sabem o que é o mármore?
Aproveitemos então a triste oportunidade para falar desta rocha ou desta pedra, como preferirem.
Muito antes de existir a ciência que dá pelo nome de Geologia e muito antes dos geólogos compreenderem e descreverem o metamorfismo, a palavra latina “marmor” já figurava entre os romanos.
Ao tempo de Agricola, o médico alemão, de nome Georgius Bauer (1495-1555), que reviu as classificações do romano Plínio, o Velho, (23-79), do persa Avicena (980-1037) e do dominicano alemão Alberto Magno (1193-1280), mármore, era toda a pedra susceptível de ser usada em cantaria. Eram “mármores” o calcário, o alabastro, o basalto (“mármore negro”, como lhe chamou Plínio), o arenito fino do “Buntsandstein” (ou Triásico germânico) e o mármore propriamente dito (o da pedreira de Borba, agora tão falada).
Mesmo hoje, entre nós e em termos comerciais, no sector das pedras ornamentais, ainda se classificam como mármores as rochas que permitem o corte e o polimento.
Para falarmos de mármore temos, primeiro, de falar de calcário. Isto porque, em traços muito gerais, o mármore não é mais do que calcário transformado (metamorfizado) por efeito de aquecimento e compressão sofridos no interior de uma cadeia de montanhas em formação.
Para o geólogo, mármore é, pois, uma rocha resultante do metamorfismo de um calcário. Para o construtor civil é uma da muitas rochas ou pedras ornamentais existentes no mercado.
– E o que é e como se forma o calcário? – pergunta quem não sabe.
A imensa maioria dos calcários, como os que temos aqui no Cretácico de Lisboa e Pero Pinheiro (o conhecido lioz), e no Jurássico das Serras d’Aire e Candeeiros, Arrábida e do Barrocal algarvio, é gerado em mares muito pouco profundos das latitudes intertropicais, de águas límpidas e mornas, como por exemplo os das Caraíbas do Golfo Pérsico e da Grande Barreira de Coral, no nordeste australiano (Queensland). Estes mares são propícios à formação de corais e de uma grande variedade de invertebrados (bivalves, gastrópodes, ouriços e estrelas do mar, crustáceos, briozoários, foraminíferos e outros) construtores de esqueletos de natureza calcária, e de certas algas, ditas coralígenas, igualmente construtoras de esqueletos de natureza calcária.
Na grande maioria dos casos, é a acumulação dos restos esqueléticos (inteiros, fragmentados e/ou pulverizados) destes organismos, todos eles formados por carbonato de cálcio (aragonite e/ou calcite), que, depois de intensamente compactados e consolidados, dá origem ao calcário.
Foi assim no passado e é o que está a acontecer nos dias de hoje nos citados mares quentes da Terra.
Um parêntesis para dizer que aragonite e calcite são duas formas (ou dois minerais) diferentes de carbonato de cálcio, sendo que a segunda é mais estável, razão pela qual, com o passar do tempo, a aragonite dos referidos esqueletos calcários se transforma em calcite, o mineral essencial do calcário calcítico e do mármore que, igualmente, podemos dizer calcítico. Isto porque também há mármores dolomíticos.
Para falarmos do mármore alentejano (grande riqueza nacional no sector da Indústria extractiva), temos de recuar a um oceano antigo, que aqui existiu há bem mais de três centenas de milhões de anos, e admitir que houve, neste local do território, mas a uma latitude mais baixa (como a dos actuais mares tropicais), um mar litoral propício à proliferação de organismos, bem diferentes dos actuais, mas todos eles construtores de esqueletos de natureza calcária.
Foi durante a formação da grande cadeia de montanhas que abrangeu toda a Península Ibérica (orogenia varisca ou hercínica de há 380 a 280 milhões de anos, no final da era paleozóica) que, entre outras rochas, deu origem aos xistos, grauvaques, quartzitos e granitos que formam a respectiva ossatura, que nasceu este mármore, por transformação do dito calcário.
Numa descrição mais pormenorizada podemos dizer que o mármore calcítico, como o que temos em Estremoz-Borba-Vila Viçosa, os de Viana do Alentejo ou os de Trigaches. perto de Beja, tem estrutura granoblástica, isto é, apresenta grãos minerais (calcite) aproximadamente todos do mesmo tamanho (equidimensionais) e sem orientação.
Menos importantes, mas contemporâneos e tendo sofrido as mesmas vicissitudes, temos, ainda, no Alentejo, os mármores de Sousel, Elvas, Escoural, Alvito e Ficalho. Merece, ainda, referência o mármore branco de Vimioso (esgotado), em Santo Adrião, no Nordeste transmontano.
Menos comum, o mármore dolomítico resultou do metamorfismo de dolomitos (rochas sedimentares essencialmente formadas pelo mineral dolomite, o carbonato de cálcio e magnésio). Como mármore dolomítico merece destaque a chamada “pedra cascável”, subjacente aos mármores calcíticos de Estremoz-Borba-Vila Viçosa.
Com nomes consagrados na indústria e no comércio nacionais destacam-se os mármores:
- na região de Vila Viçosa: Branco Estatuária, Branco Anilado, Creme Lagoa, Rosa Aurora e Rosa Venado.
- na região de Estremoz: Branco Corrente, Branco Rosado e Creme Venado.
- na região de Borba: Ruivina Escuro, Creme do Mouro, Rosa de Rosal e Rosa Venado:
- na região de Escoural: Verde Escoural.
- na região de Viana do Alentejo: Verde Viana.
- -na região de Trigaches (Beja): Cinzento Anegrado, Cinzento Claro.
- -na região de Serpa: Verde Ficalho.
Notas:
Diz-se marmoreado ou marmóreo, o que lembra o mármore, na cor, no frio, na insensibilidade.
Marmorite é um produto fabricado, destinado pavimentos e revestimento de paredes. Consiste, geralmente, numa mistura de fragmentos de rochas diversas (mármore, calcário e outras) aglutinados por um cimento. Uma vez seco, é serrado, polido e usado em pavimentos, à semelhança das rochas ornamentais.
Texto publicado na página pessoal do Facebook do autor, que transcrevemos com a devida vénia.