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Amigo

Flexões em grau e classe de pertença

A frase «Ele é amicíssimo meu» está correta?

Não, esta frase não é aceitável porque, neste caso particular, a palavra amigo não aceita a flexão com a forma amicíssimo. Tal acontece porque, na frase em que se encontra, o vocábulo amigo é um substantivo, o que se confirma pelo facto de vir acompanhado pelo determinante possessivo meu. Note-se que a classe dos determinantes acompanha sempre a do substantivo, incidindo sobre ela. Ora, sendo um substantivo, amigo só aceita a flexão em grau aumentativo ou diminutivo, como acontece aos típicos substantivos. Poderá, desta forma, assumir as formas amiguinho ou amigão, por exemplo, mas não amicíssimo. Esta forma corresponde à flexão no grau superlativo absoluto sintético de um adjetivo. Deste modo, a forma seria correta caso amigo estivesse a ser utilizado como adjetivo, como acontece em «Um gesto amicíssimo».

Assim, a frase apresentada no início ficaria correta com a apresentação do nome no grau normal «Ele é um amigo meu.» É também possível dizer «Ele é muito meu amigo.»

 

Áudio disponível aqui:

 [AUDIO: Carla Marques_Amigo]

 

N.E. (24/04/2024):  A divulgação deste apontamento no mural do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa no Facebook motivou o seguinte comentário do consulente Zé Varela no mural de Facebook do Ciberdúvidas: 

«estou cada vez mais convencido de que a frase é aceitável. Talvez não o seja no português formal. Não sou versado em gramática normativa. Dito isto, vou explicar a minha interpretação. O problema vem da palavra "meu", que, neste caso, não é um possessivo, mas uma forma da locução "de mim". "Ele é amicíssimo meu (de mim)". O o mesmo se aplica a "Ele é muito amigo meu (de mim)". Continuo a não ver diferença entre o superlativo sintético e o composto, para que se aceite um e não o outro. "Amigo" não é, aqui, nome, mas adjectivo. "O Joaquim é mais amigo meu (de mim) que o Manuel." Esta substituição de "de mim", "de ti", "dele", etc. por "meu", "teu", "seu"... não é aceite no português formal? Essa é a minha única dúvida neste caso.»

 

A este comentário, respondeu a autora do apontamento, Carla Marques:

Por defeito, os determinantes possessivos são uma classe de palavras que incide sobre o nome/substantivo e não sobre o adjetivo. Estes formam com o nome um sintagma em que o determinante representa o possuidor da entidade referida pelo nome. Assim em «meu amigo», meu representa o possuidor (equivalente ao eu) e amigo designa a realidade possuída. Neste caso o determinante modifica o nome sobre o qual incide.

Na 3.ª pessoa, os possessivos são equivalentes a sintagmas preposicionais (o seu pai = o pai dele). Esta equivalência não se verifica nas outras pessoas porque gera estruturas não aceitáveis («o meu amigo» não equivale a «o amigo de mim»).
Quanto à sua posição ,os possessivos podem surgir à esquerda do nome (tendo um valor definido («o meu amigo») ou à sua direita, tendo um valor indefinido («um amigo meu»). 
Perante este quadro, não poderemos dizer que em «Ele é amigo meu.», o sintagma «amigo meu» inclui um adjetivo e um determinante possessivo. Estamos, sim, perante um sintagma que inclui um substantivo determinado por um determinante possessivo. Nesta ordem de pensamento, o nome é incompatível com a flexão em -íssimo, que está reservada aos adjetivos. Assim, se se pretender colocar amigo no grau aumentativo, terá de se recorrer às possibilidades de flexão do substantivo, que corresponde à forma amigão. 
Refira-se, todavia, que  é possível encontrar registos de uso de «amicíssimo meu», que poderão ser resultado de um fenómeno de lexicalização, mas que se afastam do funcionamento normativo.

 

Fonte

Apontamento incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 21 de abril de 2024.

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