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Ponto final na querela da vírgula

Esta querela à volta da vírgula de Saramago já vai longa, mas seja-me permitido por uma última vez pronunciar-me e, em particular, respondendo ao último texto da dr.ª Maria João Matos.

Vejamos, então, mais uma vez a frase do nosso escritor:

"Uma língua que não se defende, morre."

Sim, podemos considerar este se como uma partícula apassivante - certíssimo. Coisa engraçada!... Quando dei a minha resposta pensei nas duas classificações: partícula apassivante ou pronome indefinido?

Preferi a classificação de pronome indefinido, porque, nesta frase, "uma língua que não se defende" equivale a "uma língua que ninguém defende".

Talvez seja preferível considerar partícula apassivante, porque ajuda a levar as pessoas a preferirem a frase 1), à semelhança do que vemos na seguinte sequência:

1) "Aqui vêem-se lindas flores".

2) "Aqui vê-se lindas flores".

Devemos preferir a frase 1), porque nela está mais nítida, mais acentuada a noção de pluralidade: "Línguas que não se defendem ..."

A propósito da frase de Saramago, diz M.J.M:

"Se esse se fosse um pronome indefinido, o verbo não poderia ir para o plural, como acontece no exemplo dado...", dado por mim: "Aqui está-se bem (Alguém que esteja aqui está bem ou as pessoas que estão aqui estão bem)".

Mas, no que eu escrevi entre parênteses, não está o plural de "Aqui está-se bem", mas sim o significado que tem ou pode ter a frase "Aqui está-se bem. Esta frase não pode ter plural. Como poderia ter plural, se considerarmos este se como pronome indefinido? Sim... eu não afirmei que as palavras entre parênteses são o plural de "Aqui está-se bem". Se calhar não fui claro...

Concordo com a drª. Maria João Matos, quando afirma que "esse se é uma partícula apassivante" - como já afirmei.

Mas, apesar da minha concordância, vou mostrar que a tal oração relativa não parece que seja restritiva, mas sim explicativa. Ora vejamos novamente a frase de José Saramago:

"Uma língua que não se defende, morre".

Examinemos então a oração relativa naquele pormenor de "não se", em que o se é pronome indefinido:
     não se = não alguém = ninguém.

A oração relativa leva-nos (ou pode levar-nos) a compreender que estamos em presença de uma explicação da morte de "uma língua", visto que podemos substitui-la por orações que expliquem a morte duma língua:
     Morre uma língua:
     Que não se defende.
     que ninguém defende.
     porque ninguém a defende.
     quando ninguém a defende.
     se ninguém a defende / defender.

Vejamos agora esta frase em que há uma oração nitidamente relativa restritiva:
     "O homem que está ali sentado é o João Miguel."

Não consigo construir frases que, à semelhança do caso anterior, substituam a oração relativa por outra que explique o caso de "aquele homem" ser "o João Miguel".

A conclusão final parece-me ser esta:

A tal oração relativa da frase de Saramago não tem aquelas características bem nítidas de oração restritiva nem de oração explicativa. É esta a conclusão a que já atrasadamente me parecia que deveríamos chegar.

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