Eu tenho em muito a (língua) portuguesa, cuja gravidade, graça lacónica e autorizada pronunciação nada deve (1) à latina, que vo-la exalça mais que seu império… Por isso eu quero raivar com os seus naturais, que a taxam difamando-a de pobre, e não lhe consentindo alfaiar-se do alheio, como que (2) o principal cabedal das copiosas não seja o mais dele emprestado; e a portuguesa, com o seu, é tão rica, que lhe achareis alfaias ricas, de que as outras carecem...
A linguagem portuguesa é conhecida em partes em que a hebreia, grega e latina nunca foram vistas nem ouvidas; e se os Portugueses se prezassem dela como das armas, deixariam escrituras de mores façanhas, que os Hebreus de incredulidades, os Gregos de fábulas e os Latinos de deidades, dando mostras delas e dela, que até aqui esteve encouchada sem poder surgir, escusando-se de muitas guerras (3).
(1) = cede.
(2) = como se.
(3) = desculpando-se (os Portugueses) com as muitas guerras, que não davam vagar para que a língua se pulisse na escrita.
(1515-1585) Comediógrafo português, nasceu em Coimbra ou em Montemor-o-Velho. Foi escrivão do Tesouro Geral e da Casa da Índia. Escreveu, entre outras, as obras: «Comédia Eufrósina»; «Ulissipo»; «Aulegrafia»; e «Triunfos de Sagramor».