Não sei nada - Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Não sei nada


Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador de palavras. Mas só eu - eu e os meus irmãos - sei em que medida sou eu que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado antes da grande aventura.
Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras as palavras. As palavras são seixos que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e caem. São o contrário dos pássaros, embora «pássaro» seja uma das palavras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não interessa. Alguém que me procure tem de começar - e de se ficar - pelas palavras. Através das várias relações de vizinhança, entre elas estabelecidas no poema, talvez venha a saber alguma coisa. Até não saber nada, como não sei.

Fonte

Poemas extraídos da "Obra Poética de Ruy Belo", volumes 1 e 2, Editorial Presença, Lisboa.

Sobre o autor

Ruy Belo (São João da Ribeira, 1933 – Queluz, 1978), doutorado em Direito Canónico pela Universidade de S. Tomás de Aquino, em Roma, foi um poeta Aquele Grande Rio Eufrates – 1961, Boca Bilingue – 1966, Despeço-me da Terra da Alegria – 1978 e ensaísta português. Enquanto profissional, trabalhou como professor no ensino secundário e na Universidade de Madrid, colaborou em revistas, trabalhou para o Ministério da Educação e foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian.