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Controvérsias

De novo, a vírgula de Saramago

Fico muito agradecido à dr.ª Maria João Matos por ter discordado de mim, porque nada aprendo com quem está de acordo comigo. Aprendo, sim, com os que discordam de mim, porque me obrigam a observar, a pensar, a estudar e a resolver. E assim aprendo. E quanto mais e melhor aprender, mais e melhor posso ajudar o próximo. É para isso que estou neste mundo. Ora vamos lá:

1. "Uma língua que não se defende" não é o sujeito de "morre".

2. Primeiro, temos de separar as orações. Neste período, há duas, visto que temos as formas verbais "defende" e "morre".


Eis as duas orações:

a) "Hoje, uma língua morre" - oração principal.

b) "que não se defende" - oração subordinada à anterior, relativa adjectiva.


Daqui concluímos que o sujeito de "morre" não pode ser "uma língua que
não se defende
", visto que "uma língua" é o sujeito da primeira oração. É o
sujeito de morre.

3. Vejamos agora a segunda parte desta querela:

a) "Uma língua que não se defende, morre."

A oração relativa "que não se defende" está intercalada na oração principal: "Uma língua morre".

Como as orações relativas, quando intercaladas, devem estar entre vírgulas, a frase devia estar escrita assim:

b) "Uma língua, que não se defende, morre."

Esta é que seria a frase correcta. Todo o resto são derivações do erro original: a não separação por vírgulas da oração intercalada. Da minha parte, aproveito para agradecer à dr.ª Maria João Matos a oportunidade para eu próprio corrigir o meu erro.

 

4. Vejamos agora a frase de José Saramago:

(a) "Hoje, uma língua que não se defende, morre."

Se esta frase estivesse escrita na ordem directa, seria assim:

(b) "Morre hoje uma língua que não se defende."

Na frase a), temos uma vírgula em "hoje", porque este advérbio não se encontra junto da palavra a que está ligado pelo sentido, que é a forma verbal "morre".

Também não há vírgula antes da oração iniciada pelo pronome "que", porque não se separam as orações relativas a não ser que se encontrem intercaladas noutra oração.
A frase a), para ser escrita com todo o rigor de pontuação, mas que não ficaria ao nosso gosto, apresentar-se-ia assim:

(c) "Hoje, uma língua, que não se defende, morre".

A oração relativa está entre vírgulas, porque, como vemos, encontra-se intercalada na oração principal, a seguinte:

"Hoje, uma língua morre."

Se quisermos suprimir a vírgula em "hoje", temos de escrevê-la doutro modo:

"Morre hoje uma língua."
"Hoje morre uma língua."

Julgo que fui claro. Mas, se não fui, estou ao dispor de quem precisar de esclarecimento.

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