Tinha decidido passar ao largo da TLEBS, o Monstro criado no Ministério da Educação para obrigar os nossos filhos a odiar a língua e a literatura. Que podia uma pequena crónica contra tão medonho Golias? Mas vi num "site" do Ministério o que o Bicho fez a uma indefesa estrofe de "Os Lusíadas", a quem chama (pobre estrofe!) "corpo linguístico ambíguo", e achei de mais. Já se sabia, desde "A Lição", de Ionesco, que "a linguística conduz ao crime", mas deitar à força uma oitava na mesa de anatomia e dissecar, diante de miúdos do 9.º ano, ritmos, sentidos, imagens, ideias, sonoridades, emoções, tudo o que faz a misteriosa beleza do verso camoniano, em coisas como "núcleo(s) de complemento(s) preposiciona(is) em posição pós-verbal, constituindo uma unidade sintáctica que serve de locativo à forma verbal (...)" e "núcleo(s) de grupo nominal com função de complemento directo e modificador(es) adjectiva(is) em posição de atributo", nem o Estripador! Nos meus tempos de estagiário li uma vez numa participação policial que alguém fora mordido por um "animal canídeo do sexo masculino, vulgo cão". Diz a TLEBS que cão é um "nome comum, contável, animado e não humano" (soa como o "robot" da "Guerra das Estrelas" a falar). Acho preferível a versão do polícia.
Crónica publicada no “Jornal de Noticias” do dia 23 de Novembro de 2006.