Português "hi-tech" - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Português "hi-tech"

Um museu dedicado à língua que abre suas portas sem um livro sequer no acervo poderia parecer o mote de um escândalo cultural provocado por falta de verbas, mas no caso do muito bem patrocinado Museu da Língua Portuguesa, em construção em São Paulo, o plano é esse mesmo, e as reações (de espanto) ao projeto são as mais positivas. Inovadora no Brasil, a instituição seduzirá os visitantes com tecnologia moderna e um acervo nada ortodoxo engendrado pelo trabalho conjunto de acadêmicos e artistas famosos, entre músicos, poetas e atores. Por vezes, o projeto lembra uma galeria de arte com instalações ou mesmo um parque temático da língua. A comparação, entretanto, não agrada ao seu diretor artístico, Marcello Dantas.

– Esse termo faz com que o museu pareça superficial, quando, na verdade, ele encerra um imenso trabalho intelectual. A minha função foi justamente a de tornar atraente para o público a complexa história da nossa língua, contada ao visitante com ajuda da tecnologia – explica Dantas, que fez uma pesquisa sobre empreendimentos semelhantes no resto do mundo e não os encontrou.

Construção é feita em estação ferroviária

Nada no museu, a ser inaugurado em março de 2006, é lugar-comum. Nem mesmo o lugar que ele ocupará é comum. Está sendo instalado em três pavimentos sobre a gare da centenária Estação da Luz, espécie de Central do Brasil de São Paulo, por onde passam diariamente cerca de 220 mil pessoas. A entrada ficará em frente à da Pinacoteca do Estado de São Paulo e perto também dos concertos da Sala São Paulo. No mesmo bairro, o da Luz, encontra-se a Cracolândia, símbolo de degradação para os paulistanos. As instituições culturais já são saudadas como marcos da revitalização da região, encravada no frenético centro da cidade.

Revitalizar o conceito de museu como o conhecemos – uma herança dos séculos XVII e XVIII – também é uma missão deste que está sendo construído. A primeira coisa que o visitante verá ao chegar será a enorme Árvore da Língua, feita de palavras. Na raiz, elas estarão em idiomas estrangeiros. Enquanto o visitante estiver subindo num dos dois elevadores panorâmicos, irá vendo suas traduções para o português, em projeções no interior do caule translúcido, como uma lanterna mágica. Dentro do elevador se ouvirá uma música especialmente criada por Arnaldo Antunes e pelo poeta e antropólogo Antonio Risério, com os vocábulos “língua” e “palavra” em muitos idiomas.

Pelo roteiro sugerido, desembarca-se no terceiro andar. Num auditório com 180 lugares, um filmete projetado num telão abordará o surgimento da linguagem no mundo e situará o português nessa história. Então a tela se retrairá e revelará, atrás de si, a Praça da Língua. O responsável pelo projeto do museu, Jarbas de Campos Mantovanini, descreve a experiência que se dará na escuridão da praça:

– Quatro projetores tatuarão palavras na mansarda e elas serão refletidas no chão espelhado. São palavras tiradas de poemas e canções recitados por Chico Buarque, Maria Bethânia, Paulo José, Gero Camillo, Ferreira Gullar, Rappin’ Hood, entre outros. As gravações já foram feitas. Nada é aleatório. Ouvir o Chico, que viveu como exilado, recitar os versos de Gonçalves Dias que dizem “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá” é emocionante. Imagine, então, mais de 30 vozes fazendo isso! Quando a projeção terminar, o chão se iluminará com trechos dos poemas. Eles estarão disponíveis em versões completas num corredor anexo.

No andar inferior, mais surpresas. Num telão de 104 metros de extensão, 36 projetores exibirão dez filmetes simultâneos sobre futebol, culinária, dança, entre outros temas. Por um sistema de som especial, cada um dos dez trechos ao longo da tela, onde ficarão os espectadores, terá uma narração correspondente ao seu filme. A intenção é mostrar como a língua muda de acordo com o contexto em que é usada.

Mais adiante, terminais computadorizados chamados de “lanternas” mostrarão em seus monitores a influência de línguas africanas, indígenas, européias e asiáticas na formação do português. As palavras surgirão no monitor e o visitante as acessará para saber seu significado original e sua pronúncia. Na mesma sala, haverá uma linha do tempo equipada com vídeos para mostrar a história das línguas até a formação do português e ainda um jogo interativo em que o visitante formará palavras numa mesa hi-tech juntando, com movimentos das mãos, radicais, prefixos e sufixos, como Tom Cruise fazia numa tela virtual no filme “Minority report”. Uma exposição temporária propositalmente low-tech (para contrastar com o resto) encomendada a Bia Lessa, no primeiro andar, complementa o projeto.

O público será diversificado, abarcando todas as faixas etárias, classes sociais e níveis culturais.

– O museu não será uma escola e incluirá todas as manifestações da língua portuguesa, sotaques e regionalismos. Há lugar até para “nós vai” ou “a gente vamos”. Qualquer um que fale a língua portuguesa se sentirá à vontade. Mas não faremos apologia do erro. Haverá muita informação para quem quiser se instruir – afirma Mantovanini.

Fonte

In "O Globo", 20 de Dezembro de 2005

Sobre o autor

Eduardo Fradkin é um professor de física na University of Illinois desde 1989 licenciado pela Universidade de Buenos Aires, Argentina, e doutor pela Stanford University, em 1979. É um líder reconhecido internacionalmente em física teórica, contribuindo para muitos problemas entre a teoria quântica de campos e a física de matéria condensada. Foi condecorado com o Cesar Milstein Fellowship, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva em 2007 e 2011. O seu artigo mais recente data de 2013: Field Theories of Condensed Physisc, Cambridge Press.