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O nosso idioma // O português em Angola

«Eles não "tenhem" dinheiro»

Confusões nas formas conjugadas do verbo ter nesta crónica do autor sobre os usos do português em Angola, publicada no semanário luandense "Nova Gazeta". Nela se aborda ainda a evolução semântica da palavra cadeira.

 

 

É (quase) certo, sim, que muitas formas lexicais apresentavam – num passado relativamente longínquo – um aspecto morfológico, sintáctico, semântico, ortográfico, e tantos outros diferentes do que vemos nos dias de hoje. O tempo forçou, por exemplo, a que a palavra ‘cadeira’, que significa ‘banco’ ou ‘assento’, provinda do vocábulo latino cathĕdra  ganhasse outros contornos semânticos, como ‘ramo de conhecimentos’ ou ‘disciplina escolar’. Além de assento – e de outras acepções –, cadeira significa também lugar ocupado por alguém no exercício de uma função. Não sei como, mas há registos de cadeira com significado ancas – quando no plural. Quem diria!

Como disse, actualmente sentamo-nos em cadeiras, mas na época camoniana, as pessoas sentavam-se em cátedras que, nos nossos tempos, são usadas principalmente – para não dizer apenas – por altas entidades religiosas e por professores. Cadeira pode ser ainda o cargo de professor catedrático de uma disciplina universitária. E de quem está em contacto com a cátedra espera-se uma ligeira diferenciação.

Era bom que as formas conjugadas do verbo ter não constituíssem confusão. Apesar da pronúncia, a 3.ª pessoa do plural escreve-se ‘têm’ e não ‘tenhem’. Acredito que seja devido à grafia da forma da 1.ª pessoa do singular no presente do indicativo ‘tenho’. E, talvez, das formas do presente do conjuntivo: (eu) tenha; tenhas; tenhamos; tenhais; tenham. Daí que, erradamente, se escreva tenhem.

O verbo tenēre (do latim) é uma daquelas palavras que há muito, por diversas razões, deixou de carregar alguns dos seus constituintes. Hoje, apresenta-se como ter e significa «ser  dono  de»;  «estar  na  posse  de» ou «possuir». É um verbo irregular e, por isso, não é conjugado como o verbo ‘comer’ (regular) que, à sua semelhança, pertence à 2.ª conjugação (os que terminam em -er no infinitivo).

Portanto, apesar da forma como pronunciamos, devemos escrever correctamente «eles não têm dinheiro», e não «eles não tenhem dinheiro». 

Fonte

Crónica da autoria de Edno Pimentel e publicada na coluna "Professor Ferrão" do jornal luandense "Nova Gazeta", em 27/08/2015. Manteve-se a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, a qual é anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

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