Um relance sobre os efeitos do recurso "ao neologismo de autor", por Ana Martins no Sol.
Recebemos no Ciberdúvidas a seguinte pergunta: a palavra "bota-abaixismo" existe? Se não existe, podia existir. A palavra está bem formada. O sufixo -ismo e o seu correspondente, -ista, são muito produtivos: -ismo designa doutrinas, sistemas ou modos de proceder e pensar (fascismo, positivismo, budismo); -ista designa o partidário dessa doutrina ou modo de pensar (fascista, positivista, budista). A palavra é, aliás, usada pelo primeiro-ministro José Sócrates: «não se combate a crise com pessimismo e muito menos com bota-abaixismo e com o negativismo de quem quer dizer mal de tudo» (RTP 1, 25/01/09).
A criação de palavras novas (neologismos) é uma forma de renovação do léxico, motivada por necessidades comunicativas ou expressivas: designar um conceito novo ou tornar o discurso mais apelativo ou persuasivo.
Sem a explosão de neologismos não teria Dias Gomes conseguido esculpir a genial figura de Odorico Paraguaçu, na peça teatral O Bem-Amado, de 1962 (texto-base da célebre novela da Globo com o mesmo título), personagem que dá voz ao discurso «populista e inescrupulento» da classe política brasileira das décadas de 50 e 60: «Prometi acabar com o namorismo e o sem-vergonhismo atrás do forte e acabei»; «Isso é uma gazeta que se lava e enxagua no calunismo (…) [com] planos oposicionistas e antidesenvolvimentistas»; «Quero ver agora o que vão dizer os que me acusavam de oportunista, de demagogista».
A propósito, está anunciada para Outubro deste ano a adaptação de O Bem-Amado para o cinema. O texto original não perdeu actualidade.
Artigo publicado no semanário Sol de 21 de Março de 2009, na coluna Ver como Se Diz.