«(...) "Sei de sobrinhos e sobrinhas que usam o 'tipo' com os familiares num contexto de efervescência cerimonial, como um ritual identificativo, quando a mensagem tem de ser aceleradamente transmitida."»
Impulso provocado pelas redes sociais e pobreza lexical, segundo especialistas contactados pela Lusa, [que] explicam o uso errado do substantivo masculino tipo nos diálogos informais entre os jovens portugueses, uma moda que chegou também já à banda desenhada.
Uma consulta ao dicionário eletrónico Priberam comprova-o, sendo descrito como “informal” na sua 16.ª definição da palavra, bem como figura em dois diálogos no último álbum da banda desenhada do Astérix, A filha de Vercingétorix".
«Estou tipo atrasado», «vou para as aulas tipo à tarde» ou «a professora disse tipo "calem-se"» são exemplos de frases que vão sendo cada vez mais ouvidas nas conversas entre juvenis. A [agência] Lusa foi à procura de explicações para o uso da palavra que ameaça, pela longevidade, tornar-se na bengala linguística mais utilizada pelos jovens portugueses e que começa a fazer-se ouvir, também, na geração acima.
Ana Maria Brito, professora de linguística da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, explicou que a «expressão "tipo" está muito vulgarizada nas camadas juvenis e que, provavelmente, surgiu da expressão "tipo de" que, a pouco e pouco, perdeu as preposições».
«Está a tornar-se num bordão da fala, mais do que outros, como o "pronto" ou o "pois", transformando-se num marcador discursivo», acrescentou a docente, sustentando que em termos de oralidade «são precisos bordões e marcadores discursivos para estruturar o pensamento».
Admitindo tratar-se de uma "moda", o facto de «não ouvir» esse linguajar em contexto de aula prova que os estudantes «são capazes de mudar o chip e deixar de o dizer quando querem», argumentou Ana Maria Brito.
Pais adotam termos para se aproximarem dos filhos
Sobre o facto de a expressão começar a ser utilizada pela geração acima «também não constitui problema», explicando-o pelo facto de estes «quererem aproximar-se dos filhos para que estes percebam que acompanham determinadas modas e, inconscientemente, adotam variados tiques, o que não significa que seja para ficar».
«O português está em grande mudança, impulsionado pela globalização», disse a docente, que se afirmou «mais preocupada com uma certa pobreza lexical dos jovens e o uso de certos estrangeirismos desnecessários».
José Manuel Resende, professor de Sociologia na Universidade de Évora, traz um novo olhar sobre o uso da expressão, apontando-a como «um empobrecimento do uso da língua, tanto nas formas de escrever como de falar, fruto da aceleração do tempo impulsionado pelas redes sociais, o que obriga a uma economia da linguagem para comunicar».
Em declarações à Lusa, o docente explicou que em termos comportamentais «usar a linguagem como a expressão associada à corporalidade é um elemento de identificação de uns em relação aos outros».
«Não consigo avaliar se há alguma variabilidade conforme o grau de instrução, mas sei de sobrinhos e sobrinhas que usam o "tipo" com os familiares num contexto de efervescência cerimonial, como um ritual identificativo, quando a mensagem tem de ser aceleradamente transmitida», contou.
Para Conceição Pereira, professora de 11.º ano de História na Escola Secundária de Gondomar, a expressão «continua a ouvir-se em contexto de aula, mas já começa a passar de moda», revelando que escuta a verbalização «há cerca de cinco ou seis anos» e que são os alunos «mais jovens que mais a usam».
«Ao nível do voluntariado, trabalho com miúdos de 11, 12 anos e o recurso à palavra tipo é uma constante», disse, admitindo haver alunos que não recorram à bengala «se em casa tiverem um ambiente sociocultural de um nível um bocadinho acima, em que essa linguagem não entre ou os pais chamem a atenção».
Recém-chegado ao ensino superior, Francisco Dolgner, de 18 anos e no 1.º ano do Curso de Engenharia de Minas e Geoambiente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, confessou à Lusa que usa a palavra «desde o 5.º ano».
«Não sei como começou, mas acho que colou ao ouvir os outros falar», disse, explicando que em contexto de aula «quando algum(a) professor(a) faz uma pergunta que exige uma resposta mais elabora, em 90% das vezes esta começa com o recurso à palavra tipo».
E acrescentou: «Mesmo na sala de aula, num contexto mais informal, acabo por usar o tipo, mas em orais faz-se um esforço para não o usar, o que não quer dizer que não surja uma vez por outra».
Trabalho da agência Lusa datado de 30 de novembro de 2019 que aqui se transcreve com a devida vénia (texto disponível para subscritores do sítio eletrónico da Lusa; também disponível no Jornal de Notícias).