Acaba de ser ligeiramente reestruturada e adaptada aquela que, há 5 anos, foi a primeira e continua hoje a ser a única Licenciatura em Ciência das Religiões de todas as Universidades Portuguesas. No momento em que, por exemplo, na França «republicana e laica», se discute o projecto da criação, em todas as Escolas, de uma disciplina obrigatória de História e Ciência das Religiões e em que fundamentalismos religiosos de vário género (desde os Islamitas aos Bushianos) ameaçam a paz, a boa consciência e a segurança da humanidade, uma licenciatura ecuménica e científica sobre o inevitável fenómeno religioso aparece de uma actualidade e de uma urgência dificilmente objectáveis e corresponde verdadeiramente àquilo que já foi designado como a indispensável Teologia para Todos.
Como há tempos publicamente afirmei, na presença do Senhor Presidente da República aquando do lançamento da obra As Religiões e a Cultura da Paz, de Bento Domingues, primeiro Director desta primeira Licenciatura oficial portuguesa em Ciência das Religiões, o seu eventual inêxito, por falta de candidatos, seria um triste sinal de que a Sociedade Portuguesa se encontraria, por um lado, ainda (alguns diriam, cada vez mais) naquela “era constantiniana”, de identificação e confusão entre o Estado e a Igreja Católica, contra a qual se levantou o antigo Bispo de Porto, D. António Ferreira Gomes, na sua famosa Carta a Salazar e, por outro lado, que a mesma sociedade portuguesa preferiria continuar a ir à bruxa, a espalhar alhos nos balneários desportivos ou a cultivar a astrologia em vez de tomar a sério as abordagens científicas próprias de uma sociedade civilizada e de uma licenciatura universitária.
A proclamação mais ou menos solene da «morte de Deus» no mundo moderno em nada alterou e por vezes até exacerbou o lugar da religião nas sociedades contemporâneas, em que as mais variadas formas de «regresso do sagrado» constituem, para uns, a demonstração da sua essencial conaturalidade humana (não escreveu até Andre Malraux que «o século XX seria religioso ou não seria de nenhum modo»?) e, para outros, apenas mais uma prova da permanência da alienação e da necessidade de prosseguir a luta pela total libertação da humanidade de todas as formas de obscurantismo. Fenómenos como os fundamentalismos muçulmanos, as aparições marianas, os "happenings" da IURD. (Igreja Universal do Reino de Deus) ou os êxitos estrondosos dos livros de Paulo Coelho e quejandos aí estão como desafios incontornavelmente postos à modernidade e à definição do homem como «animal racional».
A nova Licenciatura em Ciência das Religiões com as suas cinco opções (Opção Cristianismo; Opção Judaísmo; Opção Islamismo; Opção Ásia; Opção África), é, inquestionavelmente, a primeira licenciatura não clerical e não confessional (ecuménica no melhor e total sentido da palavra) e verdadeiramente científica jamais criada nas escolas superiores portuguesas: ao arrepio de todos os dogmatismos e fundamentalismos, pretende, simplesmente, no quadro geral das ciências actuais, fazer uma «ciência contemporânea de Deus ou do religioso ou do sagrado» no universo humano.
A Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, fazendo jus ao seu lema «Humani Nihil Alienum/Nada do que é humano nos é estranho», abre, assim, o seu campus interdisciplinar e interdepartamental a uma área científica que tem estado ausente da Sociedade e na Universidade Portuguesas, com prejuízo para todas as partes. Criar uma Licenciatura em Ciência das Religiões, intercomunicante com todas as outras ciências, com um estatuto de paridade epistemológica, é, por isso, responder a uma carência científica e social. Tal licenciatura, além de completar o quadro das ciências e a educação global das Pessoas do nosso tempo, ambiciona também contribuir para a formação de investigadores e de profissionais que nas mais diversas actividades - comunicação, intervenção social, política institucional, educação, saúde - se confrontam com o facto religioso e suas multímodas caras e caricaturas.
Do colonialismo português escreveu um dos nossos grandes intelectuais, Alfredo Margarido, que «o mesmo se deu ao luxo de não precisar de fazer ou de recorrer à ciência antropológica para dominar os povos»; será que também as Igrejas portuguesas, conforme recorrente insinuação do teólogo Bento Domingues, preferirão continuar a dar-se ao luxo de não precisar de fazer ou de recorrer à ciência teológica e à razão científica para melhor dominarem as consciências pouco esclarecidas?
Esta Licenciatura em Ciência das Religiões, que reconhecidamente constitui uma das inovações mais significativas da Cultura, da Universidade e da sociedade portuguesas, não deixa de situar-se na linha das intenções profundas das "Semanas Portuguesas de Teologia" e dos "Cursos de Mundividência Cristã" que, nos anos 60 e pelo tempo que os tempos religiosos e políticos de então permitiram, eu próprio organizei, em Portugal e em Angola, com o objectivo de colocar os cristãos ao ritmo do Concílio Vaticano II e todos os cidadãos ao ritmo dos tempos modernos.
É de esperar que tanto católicos como não católicos, dioceses e demais instituições e organizações religiosas, eclesiásticas e leigas saibam aproveitar desta oportunidade única e pioneira, qual é a criação desta licenciatura ecuménica e científica de Ciência das Religiões nas Universidades portuguesas, que, como antes se referiu, constitui verdadeiramente a mais que nunca sentida como indispensável «Educação Religiosa Básica» ou «Teologia para Todos».
[Texto lido por ocasião do reinício da Licenciatura em Ciência das Religiões, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias]