Quando soube pelo "Expresso" de sábado que a nossa mascote para o Euro'2004 é «um rapaz de cabelo espetado, com ar de reguila, e de nome Quinas» fiquei ligeiramente intranquilo. Apesar de o cabelo espetado repelir a possibilidade de o reguila usar o bivaque do Chefe de Quina da antiga Mocidade Portuguesa, o nome é demasiado marcante. A principiar pelas quinas da nossa bandeira.
Talvez porque fosse sábado, varri essa imagem da ditadura em segundos. E graças ao animatógrafo do futebol lembrei-me de que, por vezes, entre amigos, chamávamos carinhosamente Quinas ao Quinito. Ora, aí estava uma boa ocasião para sorrir: talvez a Euro'2004 quisesse homenagear o futebol optimista na pessoa do treinador português que mais pratica esse lado da vida.
Mas nos tempos que correm, há sempre uma explicação muito inteligente e pragmática. Os pensamentos simples deixaram de ter utilidade face ao exército de mentes brilhantes que mercadeiam conselhos para os decisores. Isto já para não falar nas mentes cintilantes dos ditos cujos. De resto, eles apenas aceitam ser aconselhados por falta de tempo, é claro. Nunca por falta de ideias ou por burrice.
Talvez porque fosse sábado, não vi o Quinas por esse ângulo complexo das operações planeadas e decididas por essas mentes brilhantes. Mas, por saber que é assim que o mundo gira, também não foi com grande espanto que soube pelo "Record" de ontem que o Quinas vai ser Kinas.
O detalhe de que «trata-se de um jovem nascido numa qualquer aldeia portuguesa» dá a ideia das dificuldades que o Quinas terá passado na infância. Uma vida de cão que terá obrigado a mãe a dá-lo para adopção? Bem pode ter sido essa a necessidade da Euro'2004 porque, afinal, o Quinas virou Kinas para poder ser «mais facilmente legível pelos estrangeiros», segundo revela o "Record".
Não sei que mais admirar no baptismo do Kinas: se a consagração da grafia SMS em representações da Nação ou a habilidade da nossa política externa com a Espanha. Mal consigo imaginar os trabalhos da Euro'2004 para o Ministério da Educação e a Academia das Ciências fecharem os olhos a tão sádica mutilação de Camões! Muito menos consigo imaginar as longas noites diplomáticas passadas a convencer os espanhóis de que, embora favorável aos anglo-saxões, o universalismo do Kinas não era uma afronta a Dom Kixote, perdão, Quixote, e ainda menos uma manobra para os galegos se perderem na fronteira de Kintanilha, perdão, Quintanilha. Feito o trabalho inteligente, o resto são alterações de cacaracá [lê-se kakaraká] aqui e acolá. Nos aeroportos, hotéis, restaurantes, hipermercados e lojas: kilos, kinze, kente, kem (?), kê (?), kiosque. Em mapas e estradas: kilómetros. Nos hospitais: keimaduras, kistos. Nas polícias: keixas.
E, porque hoje é kinta-feira, o melhor é principiarmos a treinar: Kim será convocado para o Portugal-Brasil?