Gostaria de chamar a atenção para o mau emprego do neologismo interface, cometido no "Diário de Notícias" de 26 de Dezembro pelo doutor Manuel Maria Carrilho.
Permito-me fazê-lo: porque se trata de palavra ainda não dicionarizada em Portugal (ao contrário do que se verifica desde 1988 no Brasil); porque na Universidade alguns professores hesitam quanto ao género do substantivo interface; e porque o prestigiado colaborador do "Diário de Notícias", como catedrático de Filosofia, tem influência docente numa área que requer domínio da norma de ensino da Língua Portuguesa.
Escreveu o doutor Manuel Maria Carrilho: «(...) Hoje, os partidos só podem estar no "meio", nos interfaces da sociedade (...).»
Interface (superfície em que se separam duas fases de um sistema, etc.) é substantivo feminino, tal como intercultura, subcultura, interdependência e todos os compostos de prefixo (ou elemento prefixal) + substantivo feminino, porque o que caracteriza o género destes termos é o substantivo que se pospõe ao elemento prefixal (e não este). Exemplifico: em interface, temos o elemento inter- + o substantivo face, que é do género feminino. E do género feminino será também o termo assim formado. Da mesma maneira que é do género masculino o derivado de inter + câmbio (intercâmbio), porque câmbio é substantivo masculino. Se se quiser estar de acordo com a norma de ensino da Língua, como me parece ser intenção do doutor Manuel Maria Carrilho, dever-se-á dizer, pois, a interface. É no feminino que dicionários como o Aurélio e o Michaelis registam o termo.
Gostaria de salientar que não leio jornais à procura de "erros". Sei que a redacção de cada notícia tem prazo curto e, na escrita rápida, se torna por vezes impossível conciliar a linguagem corrente com a norma culta (ou de ensino). Mas os longos períodos dos comentários do doutor Manuel Maria Carrilho, tanto quanto presumo, não são redigidos à pressa. Do mesmo modo que teve tempo para ser "corrigida" a marca Terravista, apresentada em 1997 pelo então ministro Carrilho com pompa e acento grave ("Terràvista"), o que viola a norma vigente em Portugal desde 1973 e no Brasil desde 1971. Recordo que esta norma proíbe o acento gráfico com que se assinalavam, até então, as sílabas subtónicas em palavras derivadas, o que provocou alterações como, por exemplo, "sòzinho" > sozinho; "portuguêsmente" > portuguesmente; "amàvelmente" > amavelmente, etc. Na ocasião, uma prestigiada linguista justificou o acento gráfico porque o termo era um composto de terra + contracção à + vista. Mas também portuguesmente se compõe de português + sufixo -mente e, segundo o decreto-lei de 1973, o acento gráfico desaparece da subtónica da palavra que desta maneira se formou.