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Pelourinho // Inadequação vocabular

Enganar vs. enganar-se

Diferenças lexicais abismais... e insensatas

O uso do verbo transitivo enganar (= "mentir; burlar alguém; lograr; enganar os incautos") em vez do verbo enganar-se, na sua forma pronominal (= "errar; equivocar-se; avaliar mal"), tem dado «pano para mangas». Não raro, as impropriedades vocabulares cruzam-se com diferendos político-ideológicos, como aconteceu, por exemplo, no debate, no parlamento português, à volta das «Contas enganadas vs. um OE enganador». 

Mais recentemente — e, seguramente, com maior impacto mediático —, foi o próprio Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, a  cair na  esparrela. Numa entrevista na TVI, respondia a uma pergunta  do jornalista Miguel Sousa Tavares,  que quis saber se  Marcelo Rebelo de Sousa, no que toca à vacina contra a covid-19, se iria empenhar para que os portugueses não fossem «também enganados [tal como sucedeu (sic)] com a da gripe. Resposta imediata do entrevistado: «Os portugueses foram enganados, de facto.»

Independentemente das verdadeiras razões que, neste ano, levaram a que o reforço das doses da vacina da gripe tenha ficado aquém da «excecional procura», mandaria o mínimo de  bom senso —  político e jornalístico — mais cuidado no uso do verbo apropriado. Ou, acaso, esta ou qualquer outra ministra da Saúde, seja de que quadrante partidário for, e num Estado de Direito como o português, pode ser associada a um ato que, jurídica e eticamente, prefigura um crime doloso?

Isto para já não falarmos do total despropósito da comparação com as vacinas para a covid-19, cujas doses, distribuição por cada país da União Europeia e a especificidade delas em concreto são canalizadas pela Comissão Europeia.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa