Numa daquelas desatinadas intervenções que caracterizaram a cobertura mediática da morte do papa João Paulo II um pouco por todas as latitudes1, duas repórteres da televisão pública portuguesa, RTP, referiram-se assim ao que ouviam e davam a ouvir: «Os sinos repenicam», dizia a que se encontrava junto da Igreja de São Nicolau, em Lisboa; «os sinos repicam», notava a que presenciava o funeral realizado em Roma. O erro não foi só da primeira, no emprego do repenicar, em vez da forma mais usual para os sons em causa, repicar. É que tanto repicar como repenicar usam-se apenas para situações festivas ou expressando alegria. «Repicam os sinos das igrejas», quando se assinalam festividades religiosas ou outras, como baptizados, casamentos, romarias, etc. Em casos de luto ou de dor, «os sinos dobram [a finados]». Lembremo-nos, sempre, do célebre livro de Ernest Hemingway «Por Quem os Sinos Dobram». E, já agora, «os sinos tocam a rebate» em situações de perigo; por exemplo, quando urge chamar os bombeiros ou avisar a população por causa de uma qualquer calamidade.
1 Aos interessados, vale a pena remeter para o que se escreveu sobre essa sufocante e acrítica cobertura – a bem dizer, ela começou logo à volta da agonia de Karol Wojtyla, prolongando-se depois pelo espectáculo despudorado das exéquias organizadas pelo Vaticano –, tanto no Brasil, como nos EUA. Ou em Portugal, como se pode ler neste registo de Vital Moreira ("Crassa ignorância"), no blogue Causa Nossa: «Segundo o seu "testamento", o papa João Paulo II terá considerado em certa altura a hipótese de renunciar. Recorreu a uma frase bíblica (cântico de Simeão), que reza assim: 'Nunc dimittis servum tuum, Domine (...) in pace' ['Agora, Senhor, deixa partir este teu servo em paz']. Pois um ignorante locutor de uma televisão nacional traduziu essa frase por "Nunca te demitas"! É evidente, não é? "Nunc" só poderia significar "nunca"! Pois não é verdade que o Português veio do Latim!?»