Artigo do jornalista Fernando Madrinha, no semanário Expresso, 14 de Março de 2009, a pretexto dos erros de português dos deputados portugueses apontados pelo procurador-geral da República e dos erros de palmatória de um programa educativo instalado no computador Magalhães.
Uma coisa é o presidente da República dizer que as leis são mal feitas, mas sem descer a pormenores para não envergonhar os legisladores. Outra coisa é vermos e ouvirmos o procurador-geral da República a pedir aos senhores deputados que façam lá o favor de tirar a vírgula entre o sujeito e o predicado. Ou a interrogar-se sobre o que quererá dizer “empoderamento” (do termo inglês empowerment, ao que parece), ou porque aparecem numa proposta de lei siglas incompreensíveis para o comum dos cidadãos. Com exemplos tão concretos e esclarecedores como estes, ficamos a perceber melhor de que fala o presidente. E qual o nível de iliteracia a que se chegou nos mais altos poderes do Estado.
Três décadas de ensino unificado pontuadas por múltiplas reformas, qual delas a mais moderna e vanguardista, foi no que deram. Não temos, pois, de nos surpreender com o facto de ninguém no Ministério da Educação ter detectado os erros de português instalados no célebre Magalhães. Se os membros do Governo responsáveis pela elaboração de decretos e propostas de leis, bem como os seus assessores, juristas, consultores e altos quadros, escrevem como escrevem — ou, pelo menos, não se envergonham de assinar os textos que assinam —, porque hão-de os funcionários do Ministério da Educação incumbidos de acompanhar o Magalhães perceber a diferença entre ‘vês’ e ‘vez’, entre ‘acabas-te’ e ‘acabaste’?
Já quanto aos deputados, temos de ser ainda mais compreensivos. Desde logo porque há lá uns sujeitos sem outros predicados que não o de terem sabido manobrar para conseguirem um lugar na lista de candidatos. E, entre eles, também aparece quem esteja fortemente empenhado em reproduzir na Assembleia o ambiente de certas escolas onde, a par da ignorância, há quem cultive com gosto e garbo a linguagem de caserna. Foi o que fez aquele parlamentar do PSD, José Eduardo Martins, numa das últimas sessões, sem que se tenha ouvido um protesto — nem do presidente da Assembleia, nem de qualquer dos seus pares, nem do líder da sua bancada, que considerou suficiente um vago e parcelar pedido de desculpas. É, pois, muito improvável que o deputado em causa seja varrido da próxima lista de candidatos do PSD, como seria lógico e salutar depois do triste exemplo que deu ao país.
Expresso 14 de Março de 2009