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Flores de Cinza

Esta obra poética faz parte da Trilogia de Macau, onde Dora Gago viveu 10 anos como professora da Universidade de Macau, da qual fazem parte os títulos: Floriram por Engano as Rosas Bravas e Palavras Nómadas (Grande Prémio da Literatura de Viagens Maria Ondina Braga).

A obra está dividida em três partes: "I – Exílios", "II – Permanências" e "III – Regressos", num total de 55 haicais, ou seja, poemas breves, curtos, cuja origem remonta ao Japão do século VII.

O título, Flores de Cinza, encontra-se, no singular, num verso do poema “Cântico do País Emerso”, de Natália Correia, como é referido pela autora. A metáfora em Natália Correia: «flor de cinza da juventude» remete para a brevidade da mocidade, esse estádio em que a beleza – metaforizada em «flor» - e a fogosidade andam de mãos dadas e que arde «sem se ver», sem que se dê conta da sua passagem, para logo se transformar em «cinza».

Em Flores de Cinza, as flores esboçam o sonho, a esperança, logo desfeito na cinza da solidão e da ausência, desenhada nos versos do poema “Ausência”: céus/soletrados/no sangue/da solidão.

O título da I parte, "Exílios", em termos semióticos, aponta para uma saída forçada do país de origem, quase uma condenação ao degredo, onde o «eu poético» se sente desalentado, abandonado, só. Esta ideia de expatriação contrafeita está presente no poema “Início”, nos versos navio sem leme/nem alento, ou em “Solidão”, nas linhas mesa posta/para a ceia de ninguém, ou ainda em “Destino”: na louca corrida/do galgo abandonado/solitário de existir.

A parte II, "Permanências", sublinha a angústia que o desterro provoca no sujeito poético.  É um “Permanecer” (título do poema) magoado de ausência, casulo de incertezas/sonhos entardecidos. Ferido de abandono, modelado no verso útero sangrento de solidão, em “Criação”, ou no texto “Oriente”, solidão a cortar/mais que todos os punhais.

A poesia é o espaço onde o «eu lírico» encontra algum alívio para o sofrimento que a solidão lhe causa, como diz em “Angústia”: converter as lágrimas em poesia. Cada verso transpira a disforia, a tristeza, o desnorte, que habita a sua alma e que reflete em nós uma comoção a rasar de água os olhos, como no poema:

“Abandono” 

Cheiro o rasto das madrugadas
entardecidas
vazio perdido
na berma da estrada
como cão sem dono
e sem rumo.

Na "III – Regressos", é ainda a solidão a ditar a poesia, uma não vida por achar/ corpos estilhaçados /contra as paredes da solidão., como diz no poema “Fim de semana”. A solidão assoma em vários versos e o sujeito poético sente-a de forma violenta, como se pretendesse eliminá-la, arrancá-la de si. De mão dada com este estado de alma, o silêncio acena, por exemplo, em “Ícaro”, em jeito de armário de silêncio, ou em “Escrever”, como cintura de silêncio. No texto “Separação”, o silêncio traduz a revolta, a amargura que se agarra ao «eu lírico», que se compraz numa automutilação, quase um suicídio, para se libertar da dor do conflito existencial que o assola: «Bebemos o silêncio/em copos de incerteza/o cristal das palavras/estilhaçado/em mil dores.»

Os versos que encerram a terceira e última parte dão forma a “Retorno”, que fecha esta viagem iniciática pelo interior de um ser torturado pela solidão, por sonhos desfeitos em «flores de cinza», onde o regressar a casa significa voltar à água, elemento purificador, de renovação, e regar as flores, agora renascidas/nas frestas pedregosas/da esperança.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa