Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
434K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No termo acento, não me é claro o motivo do substantivo ser escrito acento, e não "acêntuo", que concordaria perfeitamente com a conjugação da sua forma verbal: acentuo, acentuas, acentua, etc. A exemplo do substantivo perpétuo: perpetuo, perpetuas, perpetua, etc. De acordo com o que eu conheço da lógica da língua portuguesa, "acêntuo" deveria ser um substantivo (bem como "átuo", em vez de ato), e, "acento", a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo "acentar", que não é uma palavra com significado na língua portuguesa. Qual a razão dessa forma não vigorar na língua portuguesa, ou o porquê de usar-se acento, e não "acêntuo"?

Resposta:

A pergunta parte do pressuposto (errado) de que as palavras acento (nome), perpétuo (adjetivo) e ato (nome) derivam de alguma forma direta dos verbos com que relacionam, respetivamente, acentuar, perpetuar e atuar. E parece também julgar-se que, aceitando acento como nome, então – prevendo a eventualidade de se contra-argumentar com um resultado ilegítimo –,  também se deve aceitar "acento" como 1.ª pessoa do singular do presente do indicativo de um verbo com a forma de infinitivo "acentar", em lugar da que de facto é legítima, acentuar.

Nada disto, porém, funciona como supõe a pergunta, porque sucede que, na estruturação de uma família de palavras, não contam apenas a derivação ou a composição que é possível no português contemporâneo. Apesar de se observarem alternâncias vocálicas em pares como almoço (1.ª pessoa do presente do indicativo do verbo almoçar, com o aberto)/almoço (substantivo, com o fechado), não são elas de molde a concluir que a segunda forma deriva da primeira no contexto linguístico contemporâneo. De forma semelhante, não se pode afirmar que o adjetivo perpétuo  deriva de perpetuo (1.ª pessoa do presente do indicativo do verbo perpetuar) ; e menos ainda é aceitável pensar que haverá uma «lógica da língua portuguesa» a legitimar as formas nominais "acêntuo" e "átuo", que, evidentemente, estão incorretas. É preciso ter em conta a história das palavras, considerando a diacronia quer das suas relações de derivação quer da sua integração no léxico do português.

Assim, consultando o

Pergunta:

Eu uso a expressão «ecografia a 3D», mas fui corrigida, e dizem-me que deve ser «ecografia em 3D». Uma vez que estou a usar o a enquanto preposição de modo/meio, parece-me correcto. Já o em parece-me errado, uma vez que todas as ecografias têm 3 dimensões, mas algumas são feitas "a" três dimensões. Sou eu que estou errada?

Resposta:

As duas preposições estão corretas. Digamos que a construção com em é mais vernácula do que a construção com a. Contudo, esta última também se aceita, em expressões como «televisão a cores/a preto e branco», «desenho a lápis/a carvão», ou «pintura a óleo», casos que permitem legitimar a sequência «a 3D».

Pergunta:

O plural do singular feminino tardoz é masculino? Será correcto dizer "a tardoz", "os tardozes"?

Resposta:

Diz-se «o tardoz», cujo plural é «os tardozes»

É bastante curioso o caso de tardoz, que significa genericamente «lado tosco de uma pedra de cantaria que fica voltado para dentro da parede»1 (Dicionário Houaiss), porque a maioria dos dicionários lhe atribui o género masculino, «o tardoz», o que legitima o plural «os tardozes». No entanto, o Dicionário Priberam regista a palavra como substantivo do género feminino, tal faz o dicionário brasileiro Aurélio XXI, que, no entanto, junta contraditoriamente uma atestação do vocábulo no género masculino1. Sendo assim, porque o género masculino se afigura mais consensual, recomenda-se que a palavra seja usada no masculino, género que se mantém no plural: «o tardoz», «os tardozes».

1 A mesma palavra (ou, pelo menos, a mesma forma fonética) é ou foi também usada como termo do calão, conforme documenta Alberto Bessa, em A Gíria Portuguesa, Livraria Central Editora, 1919, pág. 285: «Tardós (ant.) – o anus.» (manteve-se ortografia do original).

2 «[N]o tardoz da porta uma cruz de S. Lázaro, pregada com massa» (Alexandre Herculano, Lendas e Narrativas, II [Paris, Lisboa, Rio de Janeiro, Livraria Aillaud e Bertr...

Pergunta:

Em português, como é que se pronuncia "Santorini"?

Obrigado!

Resposta:

Tal como se encontra escrito, lido como se fosse palavra portuguesa, o nome soa "santuriní", sendo tónica a última sílaba.

Mas, apesar de o nome ter ganho certa popularidade como destino turístico, pelo menos entre operadores turísticos, costuma-se manter a acentuação original e pronunciar-se "santuríni" ou "santòríni". É esta a pronúncia mais difundida, que se tornou padrão.

Nada disto obriga a grafar "Santoríni" (também não o impede), porque a forma em carateres latinos que se internacionalizou – Santorini1, que corresponde à sequência Σαντορίνη em carateres gregos – constitui uma forma toponímica estrangeira que pode ocorrer em português, na falta de disponibilidade ou uso de nome vernáculo, à semelhança de Guadalajara (Espanha), San Gimignano (Itália) ou Washington (Estados Unidos da América).

1 Note-se que a pronúncia original grega soa aproximadamente como "sandoríni".

Pergunta:

Preciso criar um termo relativo ao ato ou à produção de slides (aplicado à educação com a noção de produção de slides para apresentação em sala de aula). Pensei em partir da palavra aportuguesa "eslaide" e gerar "eslaidização". Assim, "eslaidização" seria um neologismo viável ou possível na língua portuguesa? Se não for possível, vocês poderiam me propor um novo termo mais ajuste aos padrões de composição lexical?

Obrigado.

Resposta:

O neologismo proposto – "eslaidização" – é possível no português do Brasil, mas pode encontrar alguns problemas quanto à sua aceitação quer neste país quer noutros países de língua portuguesa. Com efeito, constitui um derivado de um aportuguesamento e torna-se, portanto, um tanto extenso. Mesmo assim, dado este caso relacionar-se com o discurso académico, mais especializado, existe margem para propor o neologismo como termo técnico ou científico.

Note-se, ainda, que, em Portugal, o aportuguesamento eslaide não tem uso, porque a fonética lusitana contemporânea aceita sem dificuldade a pronúncia de slide com poucas adaptações, como "slaide", aportuguesamento que não se usa na escrita. O anglicismo slide está, se resto, bastante difundido entre falantes portugueses. A criar o neologismo que se propõe na norma europeia, a palavra poderia ter, portanto, a forma "slidização" (ou "slaidização"), que não se atesta e estaria também sujeita a eventuais reservas por parte dos falantes. Mesmo assim, assinale-se que, ainda em Portugal, o termo recomendado e há muito utilizado é diapositivo, o qual permitiria a formação de "diapositivização", que, no entanto, não se atesta no uso nem se encontra dicionarizado.