Diamantino Antunes - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Diamantino Antunes
Diamantino Antunes
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Doutorando em Linguística Portuguesa Descritiva, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP); mestre em Linguística Descritiva; assistente de linguística na FLUP (2002-2004); investigador do CLUP.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Constitui erro escrever «normal» em vez de «normais» na frase «Ministro considera normal protestos que pedem sua saída do cargo»?

Resposta:

O verbo considerar é tradicionalmente considerado um verbo de três lugares: sujeito, complemento directo e predicativo do complemento directo.

«Ministro»: sujeito;

«protestos que pedem a sua saída do cargo»: complemento directo;

«*normal»: predicativo do complemento directo (o * indica agramaticalidade).

A gramática diz que, sendo o predicativo do complemento directo um adjectivo, ele concorda em género e número com o complemento directo. Assim, sendo o nome núcleo do complemento directo («protestos») masculino plural, também o predicativo teria de ter essas marcas:

1) «Ministro considera protestos que pedem a sua saída do cargo normais

2) «Ministro considera normais protestos que pedem a sua saída do cargo.»

Pergunta:

O termo "portuguesice" é legítimo?

Bem hajam!

Resposta:

Não consta (ainda) nos dicionários a palavra portuguesice. Encontram-se outras próximas: portuguesada e portuguesismo. No entanto, nenhuma delas contém um significado aproximado daquele com que a palavra foi usada nas seguintes expressões retiradas da blogosfera:

(1) «Mais uma portuguesice... Os portugueses arranjam cada moda...»

(2) «Vamos ver se vai ser concretizado ou vai ser apenas mais uma portuguesice!»

A formação da palavra está prevista, nos mecanismos de formação de novas palavras. Considere-se ainda a palavra por analogia com chinesice, por exemplo. Razões válidas para a considerarmos legítima.

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a forma correta: «toalha todo molhada», ou «toalha toda molhada»? A palavra todo é advérbio, ou adjetivo nesse contexto?

Obrigada.

Resposta:

A expressão correcta seria «Toalha toda molhada».

A minha objecção acerca da classificação de toda como adjectivo tem por base não estar num paradigma de adjectivo. Esta palavra não pode ser substituída por um adjectivo:

(1) *«A toalha estava completa molhada.»

Se fosse adjectivo, poderia ser núcleo de um sintagma adjectival, o que também parece não acontecer:

(1) *«A toalha estava toda.»

Mais depressa poderia ser substituída por um advérbio do tipo de muito, completamente, parcialmente. Obviamente não poderá ser um advérbio, pelo que faz a essência dos advérbios (o advérbio não estabelece relações de concordância).

A palavra toda pertence ao grupo dos quantificadores (próximos, distribucionalmente, dos determinantes). Este quantificador em especial, tal como ambos, pode aparecer, ao longo da expressão nominal e da frase, em posições distintas: fenómeno designado por «flutuação de quantificadores».

(1) «Toda a gente ficou surpreendida.»

(1a) «A gente toda ficou surpreendida.»

(1b) «A gente ficou toda surpreendida.»

Pergunta:

Gostaria de saber situações em que o verbo querer surge como verbo auxiliar e situações onde ocorre o oposto.

Obrigada.

Resposta:

Pode ocorrer como verbo pleno numa estrutura simples, como a que se apresenta em (1):

(1) «Quero uma habitação condigna.»

O verbo querer pertence ainda, por tradição, à lista dos verbos auxiliares de modo ou, simplesmente, verbos modais.

(2) «Eu queria escrever sobre as misérias do mundo.»

(3) «Tu querias escrever sobre as misérias do mundo.»

No entanto, este papel de auxiliar pode ser meramente ilusório: só tem aparência de verbo auxiliar porque o seu sujeito e o sujeito de «escrever» são correferentes (são o mesmo). Se isso não acontecesse, surgiria na dependência deste verbo uma oração integrante (finita):

(4) «Eu queria que tu escrevesses sobre as misérias do mundo.»

(5) *«Eu queria escreveres sobre as misérias do mundo.»

(6) *«Tu querias que tu escrevesses sobre as misérias do mundo.»

Este verbo apresenta contudo algumas propriedades dos verbos (semi)auxiliares (Gonçalves & Costa 2002), nomeadamente ao nível da distribuição dos pronomes clíticos.

Pergunta:

[Gostaria de fazer um pergunta sobre o] verbo adir, especialmente na 3.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo, tendo em consideração o seguinte enquadramento:

Por um lado, o Dicionário de Verbos Portugueses da Porto Editora diz-nos que o verbo adir é um verbo transitivo e a sua conjugação não tem qualquer restrição. Apresenta como paradigma, para a sua conjugação, o verbo invadir, o qual se conjuga em todas as suas formas verbais, sem quaisquer restrições. Nesta via, a 3.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo do verbo adir será adam.

Porém, por outro lado, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa diz-nos que o verbo adir é um verbo defectivo e que se usa unicamente nas formas em que o i se segue ao radical. Assim sendo, este verbo não se flexiona na 3.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo, porque, neste caso como noutras situações, não existe nenhum i a seguir ao radical. Donde, parece de concluir que a palavra adam será uma forma espúria para a 3.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo. Este entendimento do Dicionário Houaiss é acompanhado pelo Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e, ainda, por um auxiliar que existe na "net" com o nome “Conjuga-me.NET”, aos quais recorro com frequência.

Em face do exposto, gostaria muito de conhecer o [vosso] douto parecer sobre este assunto.

Antecipadamente grato.

Resposta:

É a todos os níveis louvável a preocupação demonstrada pelo consulente, bem como a forma sistemática como aborda a questão. O verbo em análise é considerado defectivo, como colorir, emolir, empedernir, extorquir, falir, florir, retorquir, etc. Apresenta dois significados: «acrescentar»; «tomar posse (herança)».

Acrescentando mais uma referência válida, o Portal da Língua Portuguesa, do ILTEC, apresenta a conjugação defectiva deste verbo, sem formas do presente do conjuntivo, com apenas a forma imperativa para o plural (adi) e apenas duas formas para o presente do indicativo (adimos e adis), dando razão ao consulente.

No entanto, especulando um pouco, dada a aproximidade com o verbo do inglês (add), e dado o nosso deslumbramento com os anglicismos, não será de espantar o uso cada vez mais frequente de formas como a que motivou o lançamento desta questão.