Filipe Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Filipe Carvalho
Filipe Carvalho
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Mestre em Teoria da Literatura (2003) e licenciado em Estudos Portugueses (1993). Professor de língua portuguesa, latina, francesa e inglesa em várias escolas oficiais, profissionais e particulares dos ensinos básico, secundário e universitário. Formador de Formadores (1994), organizou e ministrou vários cursos, tanto em regime presencial, como semipresencial (B-learning) e à distância (E-learning). Supervisor de formação e responsável por plataforma contendo 80 cursos profissionais.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem se, neste excerto do Sermão de Santo António aos Peixes, são visíveis interrogações retóricas ou, apenas, uma sucessão de frases interrogativas curtas.

«Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como Cristo aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços não podia fazer esta protestação; e uns pés a que se não pegou nada da terra não tinham que sacudir. Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência ou a covardia humana; mas o zelo da glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos.»

Obrigada pela atenção.

Resposta:

Antes de mais, convém ter-se uma ideia geral do significado de retórica para daí partir para o conceito de interrogação retórica. O Dicionário Aberto (versão eletrónica da 2.ª edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo) apresenta o significado de retórica como «Arte de bem falar, ou conjunto de regras relativas à eloquência». O estudioso Manuel Alexandre Júnior complementa sublinhando que a retórica é a arte de argumentar com fins persuasivos1.

Sendo a interrogação retórica ou a pergunta retórica um recurso estilístico utilizado com a finalidade de não se obter uma resposta, mas de incrementar a reflexão de uma pessoa sobre determinado assunto, sendo, também, o Padre António Vieira um dos expoentes máximos (se não o expoente máximo) da arte do discurso oratório na literatura portuguesa, perante a análise do excerto apresentado, poder-se-á inferir estar-se perante interrogações retóricas. As frases interrogativas presentes vão conformar o enunciado persuasivo e ajudam o fluir e a estruturação do pensamento lógico. A sequência das frases, interrogativas disfarçadas2, ajuda quem as profere a organizar o discurso e, perante as possibilidades apresentadas nas questões, segundo o narrador, a decisão de Santo António é perentória em negá-las de forma indireta: «mas o zelo da glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos.» Esta frase declarativa não será uma resposta direta a cada pergunta veiculada, mas tão-somente o culminar do raciocínio do narrador.

Como se sabe, Vieira pretendia ser persuasivo, chamando a ...