DÚVIDAS

Os valores de apenas

Poderia me informar se há doutrina apresentada por algum gramático sobre o uso do advérbio apenas como sinônimo de mas, pois, vendo o verbete apenas no Grande Dicionário Sacconi, encontrei a seguinte acepção para este vocábulo:

«[…] conj.3.Mas; antes: O homem não pedia, apenas implorava.»

Resposta

Em todos os dicionaristas e gramáticos consultados – não só do Brasil, mas também de Portugal –, nenhum estudioso considera apenas uma conjunção adversativa, e sim um advérbio ou uma conjunção temporal.

O exemplo trazido pelo consulente (retirado de um dicionário que não apresenta a referência desta frase) nos parece gramaticalmente artificial. Se a frase fosse «O homem não pedia, antes implorava», a relação adversativa seria bem mais evidente pelo uso do advérbio antes, que acidentalmente ocupa a posição de uma conjunção adversativa, podendo até ser considerado nesse caso algum estágio de gramaticalização "advérbio > conjunção".

No entanto, o uso de apenas (como conjunção) não foi encontrado em fonte alguma senão como conjunção temporal — ainda assim, seu uso não é frequente na norma culta escrita contemporânea. Eis alguns exemplos:

– «Apenas o dia clareou, pôs-se a caminho.» (Houaiss)

– «Tratou de remediar a situação, apenas se deu conta do engano.» (Academia das Ciências de Lisboa)

– «A viúva rompeu a capa de papel que embrulhava o volume, e pôs o livro sobre a mesa da sala; meia hora depois voltou e pegou no livro para ler. Apenas o abriu, caiu-lhe a carta aos pés.» (Aulete; exemplo retirado de Machado de Assis, Miss Dollar)

Para a consulta de apenas como conjunção temporal (equivalente a «assim que, logo que, mal»), recomendam-se não só os dicionários Aulete, Michaelis, Houaiss, Priberam, Infopédia, mas também a Gramática de Usos do Português, de Maria Helena de Moura Neves, ou a Gramática normativa da língua portuguesa, de Rocha Lima, por exemplo.

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