DÚVIDAS

Dias da semana – etimologia (de novo)

Muito me interessou a pergunta do consulente acerca da etimologia dos dias da semana. Tal como ele também li em algum lugar a respeito da influência de uma determinação papal na denominação dos dias da semana, para que não mais se usasse os nomes de origem pagã. Infelizmente li sobre isso há muito tempo atrás e não tenho como reencontrar a fonte da informação.

O prezado professor que respondeu ao consulente disse que os nomes dos dias da semana em Portugal precedem à formação do estado português. Como a língua portuguesa ainda não estava oficialmente formada em 1139, resta-nos supor que sua origem não esteja no português, mas no romance falado na região. Poderíamos supor que fosse então um resquício dos mouros, que segundo o mesmo professor utilizavam-se de um sistema de denominação parecido. Fica contudo uma curiosidade sobre porque este sistema passou a ser utilizado em português, e não o foi em castelhano que deveria ter sofrido a mesma influência.

Quando um povo acolhe novas palavras, em geral as faz de forma setorizada. Assim, as palavras de origem árabe em português correspondem a produtos, ocupações ou cargos administrativos, entre outros. As palavras de origem celta muitas vezes descrevem objetos e situações ligadas à guerra. Esta caracteristica demonstra que certos idiomas tinham/têm uma bagagem vocabular mais apropriada para certos aspectos da vida, que eram pouco explorados no idioma acolhedor dos novos termos.

Mas os diversos nomes associados à passagem do tempo em português têm origem no latim (ano, dia, mês, por exemplo). Porque os ancentrais dos portugueses iriam, somente no caso dos nomes dos dias da semana, adotar o costume de outro idioma?

Durante seus primeiros anos de influência continental, durante a idade média, a Igreja utilizou-se de diversas manobras para eliminar os vestígios pagãos que existiam na mentalidade européia. Para isso, muitas vezes açambarcaram os festivais das antigas religiões, dando-lhes roupagem cristã, ou modificaram a mitologia reinante, associando os antigos deuses a personagens bíblicas. Não é por acaso que Satanás é representado com chifres, já que um dos deuses pagãos mais cultuados de então, Kernunnos, tinha as mesmas feições animalescas.

Prática similar chegou até à astronomia, onde a Igreja tentou em vão eliminar o nome das constelações (reconhecidamente inspirados em histórias mitológicas não-cristãs), e substituí-los por constelações do tipo: São Pedro e Apóstolos, Santíssima Cruz, Virgem Maria, etc.

Essas atitudes foram parte de uma estratégia de grande escala para a expansão do cristianismo, que volta e meia se via maculado por práticas antigas arraigadas nos costumes populares. Não seria de se estranhar que também tivessem recomendado aos povos cristãos a adoção de nomes neutros para os dias da semana, que nas demais línguas indo-européias também possuem origem pagã.

O professor J.N.H. pelo que pude compreender diz que o sistema enumerativo dos dias da semana é logico. "Parcialmente lógico" seria a melhor denominação, pois do contrário o domingo seria denominado primeira-feira, e o sábado sétima-feira, quando na verdade domingo e sábado são denominações de origem religiosa.

Sei que esta questão sai em muito do âmbito do Ciberdúvidas, mas se o professor ou outro especialista pudesse estender-se um pouco mais nisso, ficaria profundamente agradecido.

Note que não professo, a bem dizer, a teoria de influência papal na origem dos nomes dos dias da semana. Apenas tenho interesse no assunto e até então julgava esta a melhor explicação.

Uma forma, a meu ver inquestionável, para se excluir a influência papal seria procurar-se pelos nomes destes dias no português arcaico ou no romance. Desde quando se fala segunda-feira? E ao mesmo tempo, alguma vez houve, na região que deu origem ao condado portucalense, um análogo aos vocábulos "lunes", "miercoles", etc?

Abraços e felicitações pelo trabalho.

Resposta

1. – Foram para mim de muito apreço as observações deste nosso prezado consulente. Na minha resposta anterior, fundamentei-me, principalmente, na obra «Os nomes dos dias da semana em português» de Manuel de Paiva Boléo, professor da Universidade de Coimbra, já falecido. Não se refere a nenhuma «Determinação papal dos dias da semana». Houve, sim, influência da linguagem da Igreja.

2. – Quando se fundou Portugal, já existia a língua que falamos e já se usava o sistema enumerativo dos dias da semana.

3. – É muito mais provável que o sistema enumerativo tenha origem no sistema, também enumerativo, do povo hebreu, mesmo até ser influência religiosa, mas não por determinação papal.

A nossa palavra sábado tem origem remota no hebreu «sahabbat» (repouso, descanso), que entrou em português pelo latim «sabbatu(m)».

O primeiro sábado era o nosso actual domingo. O segundo sábado era a nossa actual segunda-feira, e assim até sexta-feira. O nosso actual sábado era apenas «sahabbat» no hebreu («sabbatum» em latim).

Note-se que, tanto «sahabbat» (hebreu) como «feria» (latim) significam descanso. Parece, pois, muito mais lógico haver influência hebraica do que moura. Note-se que os mouros habitaram principalmente o Sul (lembremo-nos do bairro da Mouraria em Lisboa); e não o Norte, onde nasceu Portugal. Lembremo-nos de que, mais ainda para o Norte, na Galiza, há as designações de «carta feira», «quinta feira» e «sesta feira» ao lado de mercoles, xoves e vernes.

Parece mais lógico os nomes dos nossos dias da semana terem origem no sistema judaico-cristão do que no árabe.

4. – Se os referidos nomes dos dias da semana já existiam há séculos no latim falado na Península Ibérica, compreende-se que o português os tenha recebido dessa língua, que, por sua vez, não os recebeu do árabe.

5. – Vejamos agora esta pergunta do nosso consulente: «... porque este sistema (o enumerativo) passou a ser utilizado em português e não em castelhano?»

Podemos responder com outra pergunta: se a um casal (marido e mulher) os espanhóis chamam «matrimonio», porque temos casal em português e não em castelhano? É que a influência que recebem os povos duma região nem sempre é a mesma que recebem os povos doutra região. Assim, por exemplo, àqueles frutos que no centro e Sul de Portugal chamam nêspera, no Norte chamam magnório ou magnólio.

Mais ainda: informa o tal livrinho do Dr. Paiva Boléo «que o sistema cristão se usou também em Espanha, pelo menos durante a primeira metade do séc. XIII».E apresenta vários exemplos.

6. – Compreende-se que «os ancestrais dos portugueses» «somente no caso dos nomes dos dias da semana» adoptassem «o costume de outro idioma», certamente o dos hebreus, por vários motivos:

a) É lógico.

b) É, para o povo da Península, de mais fácil compreensão do que o sistema romano.

c) Vulgarizou-se no latim falado nesta região, certamente por a Igreja ter traduzido para latim a denominação judaica: secunda feria, tertia feria, etc. Apenas modificou o primeiro dia da semana para «dies dominicus» ou «dominica», isto é, dia do Senhor.

Diz o seguinte o «Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa» de Antônio Geraldo da Cunha a propósito de feira:

«Na alta Idade Média, por influência da Igreja, os nomes dos dias da semana

Cf. Por que razão não chamamos «primeira-feira» à segunda-feira? + A origem dos nomes da semana em português

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa