O que nos pede a consulente é deveras audacioso, dada a interinidade do português moderno. Um estudo de um período da história da língua implica uma passagem, uma variação ou mudança diacrónica, ou seja, apesar de a língua estar em constante modificação, a variação histórica ou diacrónica só pode ser devidamente estudada e analisada quando se dá uma fase de transição. Ora, vivendo nós no período do português moderno, podemos observar pequenas simplificações, complexificações ou derivações, principalmente na oralidade, o que não significa que são características do português moderno; podem ser variações diatópicas ou regionais, diastráticas ou sociais, situacionais, ou mesmo de registo individual. Só quando transitarmos para um novo período do português é que poderemos estabelecer evoluções. Por outro lado, simplificações, complexificações e derivações podem ocorrer aos vários níveis da gramática (morfologia, sintaxe, fonologia, etc.), e estas mudanças podem resultar da combinação de diferentes factores de mudança: os factores internos, constituídos pela própria estrutura da língua, e os factores externos, de natureza sobretudo geográfica e social.
Daremos então, a título exemplificativo, alguns dados observáveis mais canónicos, apesar de instáveis e não significativos do português moderno até que se transite para um novo período:
i. Simplificação
a) Podemos dizer que em português europeu as formas verbais na segunda pessoa do plural (vós) são cada vez menos usadas, apenas se mantendo em certas regiões de Portugal. Nos registos formais é preferida a terceira pessoa do plural.
b) O mesmo acontece com o futuro simples, que já caiu em desuso na oralidade, estando cada vez mais reservado aos registos escritos. Na oralidade é preferida uma forma perifrástica (ir + infinitivo).
Podemos dizer que se trata de simplificação, pois estes dados mostram que se estão a perder formas verbais, simplificando a língua. Esta mudança deve-se a factores internos.
ii) Complexificação
a) Um dos processos de complexificação que se dão no português moderno é fonético; o /e/ ou o /i/ em posição pretónica e postónica foram progressivamente substituídos por uma vogal reduzida que hoje, no português europeu, é habitualmente suprimida, principalmente no registo coloquial (ex.: <telefone> [tɨlfɔn]).
Este pode ser considerado um processo de complexificação, dado que a sílaba ideal é CV (consoante + vogal), e este processo forma sílabas anómalas, CCV. No português do Brasil e no português falado em África estas vogais são mais audíveis. No português do Brasil é ainda introduzida uma vogal epentética, [i] nas sílabas mal formadas, perfeitamente aceites no português europeu (ex.: <afta> - PE [aftɐ]; PB [afitɐ]. Esta mudança também se deve a factores internos.
iii) Derivação
a) Nos dias de hoje, com o avanço tecnológico, e, principalmente, com o rumo que a Internet tem vindo a tomar, a derivação deixa de ser uma mudança reservada às línguas da mesma família, passando a ser consequência não só de factores externos geográficos, mas, acima de tudo, também de factores externos socioculturais e políticos. Um dos exemplos desse tipo de mudança é visível no léxico; por exemplo, cada vez entram mais anglicismos para a nossa língua, e para outras línguas, (ex.: futebol, T-shirt, scanner, online, e-mail, site, OK, etc.).
b) Outra mudança deste tipo é a formação de palavras com antigos afixos latinos ou gregos, que são adoptadas por línguas da mesma família (ex.: astrobiologia, ramo das ciência ligado ao estudo das possibilidades de existência de vida noutros planetas, em francês, astrobiologie), mas também por outras famílias linguísticas (nas línguas germânicas, ex.: em inglês, astrobiology, nas línguas eslavas, ex.: em russo, АСТРОБИОЛОГИЯ, transliterado, astrobiologia, ou mesmo fino-úgricas, ex.: em húngaro, asztrobiológia.). Este vocábulo, datado do século XX, é um composto introduzido na linguagem científica internacional que deriva dos elementos de composição gregos astr(i/o)- + biologia e é comum a várias línguas de diferentes famílias, precisamente devido a factores externos socioculturais.