DÚVIDAS

O presente histórico ou narrativo

Sou estudante de Letras e frequente usuária dos serviços do Ciberdúvidas. Recentemente comecei a trabalhar como estagiária em uma editora e tenho a árdua missão de revisar uma tradução clássica do livro “Napoleão Bonaparte” de Octave Aubry, que será editado novamente. Ao iniciar a revisão notei uma "característica" no texto: a narração começa no passado, mas em um certo ponto passa a oscilar entre presente e passado. Fiquei bastante confusa e decidi recorrer aos renomados especialistas que desenvolvem um maravilhoso trabalho neste ‘site’. A primeira frase do livro é esta:


«Tudo estava perdido: sua velha Guarda, cercada pelos corpos prussianos ou ingleses, fazia-se despedaçar, ao grito de 'Viva o imperador!', tão alto ainda que dominava o canhão.»


A narração inicia-se no passado, mas no decorrer da leitura encontrei o seguinte trecho e a partir dele ela passa a ser feita no presente (voltando ao passado posteriormente e assim sucessivamente):


«Caulaincourt esperava-o no portão. Corre para Napoleão, ajuda-o a apear-se. O imperador sobe penosamente a escada...»


Peço encarecidamente que ajudem-me neste dilema: tal oscilação de tempo verbal é uma questão de estilo do autor ou a tradução está completamente errada?


Agradeço desde já a paciência e o espaço cedido para a exposição de minha dúvida.

Resposta

O uso do presente do indicativo para descrever factos ocorridos no passado é o chamado presente histórico ou narrativo. Trata-se de um recurso utilizado para dar mais vivacidade ao texto e realçar os acontecimentos que estão sendo descritos. Um exemplo clássico é o de Camões no episódio do gigante Adamastor (Canto V, est. 37 de Os Lusíadas): nos versos iniciais, os verbos estão no pretérito, mas os dois últimos estão no presente.

Celso Cunha e Lindley Cintra, em sua Nova Gramática do Português Contemporâneo (Edições João Sá da Costa, Lisboa, 1984), definem assim o emprego do presente histórico:

«É um processo de dramatização linguística de alta eficiência, se utilizado de forma adequada e sóbria, pois que o seu valor expressivo decorre da aparente impropriedade, de ser acidental num contexto organizado com formas normais do pretérito. O abuso que dele fazem alguns romancistas contemporâneos é contraproducente: torna invariável o estilo e, com isso, elimina a sua intensidade particular.»

E recomendam:

«... quando se emprega o presente histórico numa série de orações absolutas, ou coordenadas, deve a última oração conter o verbo novamente no pretérito. Observe-se, porém, que, sendo o período composto por subordinação, não se deve empregar na principal o pretérito e na subordinada o presente histórico, ou vice-versa.»

 

Recurso habitual na escrita jornalística.

 

Cf. Presente histórico

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa