DÚVIDAS

O uso de aspas em predicativos de sujeito

Há uma dúvida que me surge de tempos a tempos, e decidi recorrer uma vez mais aos vossos préstimos para tentar dissipá-la.

Quando alguém refere o nome de algo, como, por exemplo: «Este processo chama-se fotossíntese», «O João chamou-lhe gordo», «Os geólogos chamam-lhe Último Grande Bombardeamento», é correcto colocar «fotossíntese», «gordo» e «Último Grande Bombardeamento» entre aspas? Já vi legendagens que usam esta forma de destacar a palavra ou expressão que se está a definir, mas nunca sei ao certo se o devo fazer. Será algo meramente visual no caso das legendas, ou existe alguma recomendação gramatical para o uso das aspas nestas situações?

Obrigado uma vez mais e os meus parabéns ao Ciberdúvidas por ter conseguido manter novamente a existência deste espaço de tão vital importância para a língua portuguesa e seus falantes.

Resposta

Agradecemos as suas palavras de apreço e de incentivo.

Quanto à questão que apresenta, a utilização das aspas e, do mesmo modo, do sublinhado, do itálico ou do negrito (bold) serve o intuito de realçar algo.

Nos casos apresentados pelo consulente, podemos usar as aspas ou a forma itálica para destacar um elemento, mas não é, de todo o modo, uma recomendação gramatical. Há situações em que se pode usar as aspas — até acompanhadas de letras maiúsculas — quando uma expressão complexa (mais do que uma palavra) remete para uma unidade, de modo a facilitar a compreensão.

1. «Os geólogos chamam-lhe o "Último Grande Bombardeamento".»

vs.

2. «Os geólogos chamam-lhe o último grande bombardeamento.»

Já nas outras frases que apresenta («Este processo chama-se fotossíntese» e «O João chamou-lhe gordo»), o uso das aspas serviria apenas para acentuar o valor significativo da palavra ou da expressão, como referem Cunha e Cintra (cf. Nova Gramática do Português, p. 657-659).

Na frase «O João chamou-lhe "gordo"», mais do que uma citação, as aspas destacam certos valores associados à expressão (que, conforme o contexto, poderá ser de ironia, violência, surpresa ou até para marcar contrastes, como no caso de a pessoa que chama a outra de "gordo" sofrer de obesidade ou ser um magricela anorético).

Já no caso de «Este processo chama-se fotossíntese», não parece ser necessário usar aspas, mas uma vez mais o contexto poderá levar ao seu uso para realçar um determinado valor semântico da palavra (por exemplo, pode ser um contexto em que o locutor de um documentário culmina uma explicação sobre a fotossíntese e pretende realçar o sentido etimológico da palavra como «a transformação da luz»).

Concluindo, embora esteja convencionado em certos casos (para marcar os títulos de artigos — os títulos de livros marcam-se com itálico ou sublinhado — e as citações), o seu uso é ditado pela intencionalidade comunicativa, ou seja, para destacar algo (se é palavra estrangeira; o seu valor semântico; etc) ou para tornar algo mais bem compreendido (p. ex., o funcionamento de uma expressão como unidade).

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