DÚVIDAS

Pôr do Sol, mais uma vez

Examinando resposta anterior dada a um consulente, verifiquei que foi considerada correta a grafia "pôr-do-sol".

Permito-me discordar. A meu ver, não há razão nenhuma para não escrevermos "pôr do sol", a exemplo de "nascer do sol". Essas expressões não adquiriram significado diferente que levasse à colocação do hífen, como, por exemplo:

"cabra cega" e "cabra-cega (brincadeira)"
" pé de moleque" e "pé-de-moleque (doce)"
"dedo duro" e "dedo-duro (alcagüete), e muitos outros.

Um pôr do sol (sem hífen) certamente é muito mais bonito, ainda mais à beira-mar.

Obrigado.

Resposta

A comparação entre a grafia pôr-do-sol e a de nascer do sol para não concordar com o hífen em pôr-do-sol, está bem. Como se trata de consulente do Brasil, pareceu-me preferível seguir a grafia do «Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa», brasileiro e muito bom; e procurei explicar a razão da existência do hífen.

Tenho aqui à mão um dicionário português, conhecido por «Dicionário da Porto Editora», que diz o seguinte:

«pôr-do-sol, s. m. leve refeição vespertina. Cf. pôr do Sol».

Como vemos, segundo este dicionário, devemos escrever pôr do Sol.

Transcrevo o que diz o Dicionário Aurélio:

«pôr-do-sol. S. m. Crepúsculo vespertino; crepúsculo, ocaso: «Luares, pores-do-sol, cousas que morrem breve» (Alphonsus de Guimaraens, Obra Completa, p. 99). [Pl. : pores-do-sol.]»

Para o homem de linguagem científica, há o «pôr do Sol» com estes dois aspectos: o astro e o acto de ele se pôr. É um pôr do Sol com «S». Neste «pôr do Sol», é sobretudo a mente do cientista que funciona, tendo por base o seu saber. E Sol com maiúscula por ser nome dum astro.

Para o homem de linguagem poética, há o «pôr-do-sol» com um só aspecto: a paisagem única da luz vermelha e difusa que se vai extinguindo, a par do astro-rei que a pouco e pouco se afunda no horizonte e que faz lembrar o ser humano que a pouco e pouco se afunda na morte. É um «pôr-do-sol» com «s». É um «pôr-do-sol» considerado com um só aspecto, e que funciona semanticamente como uma só unidade. Por isso escrevemos as palavras unidas pelo hífen, também chamado traço de união. E esta unidade é uma «tão unidade», que até possui plural: pores-do-sol.

A grafia pôr do Sol mostra que está em funcionamento o pensar humano – age a mente. A grafia pôr-do-sol mostra que está em funcionamento o sentir humano – age a sensibilidade.

A inteligência é analítica. Por isso há três palavras em pôr do Sol. A sensibilidade é sintética. Por isso há uma só palavra em pôr-do-sol.

Como todos sabemos, há casos como este, em que a presença ou a ausência do hífen interferem no valor semântico das palavras. Suponhamos que um músico está apreciando um texto musical e diz:

(a) Este sol e dó aqui soa mal.

Falando dum divertimento popular, podemos dizer:

(b) Nessa tarde, dançaram o sol-e-dó.

Em (a), alude-se ao seguimento das notas musicais sol e . Em (b), alude-se a uma música simples e popular.

Como vimos, é uma visão dum dos dicionários; e outra, a visão do outro.

Grato pela sua discordância, porque ela motiva a minha aprendizagem.

 

N.E. – (15/12/2011; atualizado em 9/3/2017) Pôr do sol e pores do sol sem hífen, depois do Acordo Ortográfico de 1990 e conforme o ponto 6 da  respetiva Base XV (Do hífen em compostos. locuções e encadeamentos vocabulares). Tendo em conta os casos de «sol nascente» e «sol poente», escreve-se também sol com minúscula em «nascer do sol» e «pôr do sol», no sentido em que se referem à luz diurna e aos seus raios (cf. «chapéu de sol»), não se fazendo alusão direta ao Sol enquanto estrela no contexto da astronomia.

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