DÚVIDAS

Pôr, verbo pleno e verbo-suporte

Tenho dúvidas em classificar pôr como verbo pleno e como verbo-suporte. Por exemplo, na lista a seguir, em que frases o verbo pôr é pleno ou é verbo-suporte? Ei-la:

Pôr a boca no mundo, pôr a faca aos (ou nos) peitos de alguém, pôr a limpo uma questão, pôr a mesa, pôr à mostra, pôr a nu, pôr ao corrente (ou ao fato), pôr a par, pôr as barbas de molho, pôr as cartas na mesa, pôr as mãos no fogo por alguém, pôr à venda, pôr à vista, pôr banca, pôr em campo, pôr em ação, pôr em dúvida, pôr em ordem, pôr em praça, pôr em pratos limpos (esclarecer bem), pôr em relevo, pôr mãos à obra (entregar-se com afinco a certo trabalho; usa-se muito apenas «mãos à obra»), pôr na boca de alguém, pôr na rua, pôr nas nuvens, pôr no olho da rua, pôr o carro adiante dos bois, pôr o coração (ou as tripas) pela boca, pôr o dedo na ferida, pôr o preto no branco, pôr-se a (ou em) salvo, pôr-se em dia e pôr-se no seu lugar.

Resposta

As construções com verbo-suporte (CVsup) são expressões predicativas complexas que consistem num formativo verbal, o verbo-suporte (Vsup) e num formativo nominal (Npred) que desempenha a função de núcleo predicativo da construção. Os dois constituintes de base do predicado analítico podem ou não estar ligados através de um termo relacional – a prepo­sição –, que, por sua vez, é seguida ou não de artigo. Pôr em causa ou pôr à prova são exemplos de CVsup preposicionadas, e pôr termo é um exemplo de CVsup não-preposicionada.

Independentemente do tipo de ligação que se estabelece entre os seus constituintes basilares, as CVsup partilham, como foi dito, um Vsup e um N em função predicativa. Embora fazendo parte da expressão predicativa, os Vsup não têm o estatuto de verbos plenos (Vplenos) – verbos com uma estrutura semântico-lexical que lhes permite abrir lugares vazios destinados a argumentos, podendo desempenhar sozinhos a função da predicação. Esse esvaziamanto semântico explica a perda, por parte dos Vsup, das relações paradigmáticas (de sinonímia e antonímia) que se estabelecem entre Vplenos em construções sintáticas livres:

Pus o livro na mesa/tirei o livro da mesa; Pus a máquina em funcionamento/*tirei a máquina de funcionamento.

Pus o vaso na rua/coloquei o vaso na rua; Pus mãos à obra/*coloquei mãos à obra.

Estes testes de sinonímia e antonímia são mais eficazes em expressões mais fixas, como esta última, mas não são tão elucidativos em expressões menos fixas, como pôr/colocar em ordem.

A fronteira entre CVsup e CVpleno nem sempre é fácil de traçar, existem zonas de transição, onde se integram determinados tipos de construções – sobretudo expressões não-preposicionadas –, cujo N permite a anaforização e/ou a interrogação, o que aponta para a manutenção da sua função referencial. Um certo grau de fixação entre V e N, motivado pela frequência do uso, permitirá, em última análise, o enquadramento de tais construções na periferia das CVsup.

Dos exemplos enviados, existem alguns casos claros de construções de CVsup, como pôr em dúvida, pôr em ordem, pôr à venda, pôr à mostra, pôr em ação, pôr ao corrente, pôr a par, pôr em campo, pôr-se a salvo. No entanto, encontra-se outras estruturas que nos parecem expressões idiomáticas, como pôr a limpo uma questão, pôr as cartas na mesa, pôr a boca no mundo, pôr as barbas de molho, pôr o coração (ou as tripas) pela boca, pôr o dedo na ferida, pôr mãos à obra, pôr na boca de alguém, pôr na rua, pôr o carro adiante dos bois, pôr o preto no branco, pôr em pratos limpos, pôr as mãos no fogo por alguém, pôr no olho da rua, pôr nas nuvens. Entre os exemplos, encontra-se também a colocação pôr a mesa.

Para mais esclarecimentos, consultar Athayde, Maria Francisca – A estrutura semântica das construções com verbo-suporte preposicionadas do português e do alemão. Coimbra, 2000.

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