DÚVIDAS

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Controvérsias // Parecer + complemento ditreto ou sujeito?

A inaceitável hipótese transitiva do verbo parecer

1.Verbo modalizador e copulativo

O verbo parecer apresenta claros traços de modalizador: ele revela uma atitude hesitante ou duvidosa do sujeito.  Para quem tem dúvidas, ou é tímido, as coisas não são: parecem.

Mas Manuel Bana saudou-o de longe e pareceu-lhe reservado (V.Nemésio, Mau Tempo…, p.124)

Procurei até a D. Carolina Amélia, que não ia longe disso…Depois pareceu-me virada (idem, 155)

O motor da lancha parecia agora pegado, e Roberto navegava um pouco a corta-mar em direcção à canoa onde descobrira Margarida (idem, 357)

Quando tudo parecia já acalmado, meu pai abriu, de rompante, a porta do seu  quarto… (Mia Couto, Jesusalém, p 83)

Nestas frases, o verbo parecer recorre a um atributo para  realizar a predicação: O Bana pareceu reservado, D. Carolina pareceu virada,  e até o motor da lancha parecia pegado. O verbo parecer é um verbo copulativo.

2. As orações subordinadas como sujeito

Mas é, também, frequente que o  mesmo verbo nos surja ligado a orações subordinadas completivas, integrantes (substantivas), que desempenham a função de sujeito.

Claro está que, neste caso, o verbo não é modalizador. E também não mantém a sua função de copulativo. Nem é de estranhar que uma mesma palavra desempenhe funções diferenciadas. É a consequência natural de ser polissémica.

Só há verbos copulativos quando há dois constituintes (sujeito e predicado) que se possam ligar, predicando um do outro: Manuel Bana pareceu-lhe reservado.

O verbo parecer permite a frase:

        Esta sala parece grande [parecer é, neste caso, inequivocamente copulativo], e, também a frase: Parece que esta sala é grande. [O verbo parecer será copulativo nesta última frase?]

Analisemos, agora, as frases seguintes, e notemos o comportamento do verbo parecer. Na frase 1, ele mantém ainda um leve traço modalizante, na medida em que revela uma opinião do sujeito, mesmo que oculto; sintacticamente, ele distancia-se do traço copulativo.

1.Parecia-lhe que a força do seu olhar comovido…tocara uma fibra oculta de Margarida (Nemésio, p.123)

    - parecia-lhe isso; era isso que lhe parecia; era sua opinião que…o que lhe parecia era que…

Sempre que o verbo parecer venha acompanhado de um clítico pessoal (parecia-lhe) não é aceitável falar de construção impessoal. O clítico compromete sempre o verbo com um referente oculto, e, facilmente identificável. A forma verbal pode, nos casos de clítico, ser parafraseada:  parecia-lhe (para ele…, era sua opinião que…), parece-me (para mim, é minha opinião que…), parece-nos (é nossa opinião que…),  etc.

 Por isso, as orações dependentes de verbo parecer + clítico são orações que desempenham a função de sujeito:

1.Parecia-lhe que a força do seu olhar comovido…tocara uma fibra oculta de Margarida (123)

    - parecia-lhe isso; era isso que lhe parecia; era sua opinião que…

        Frase composta.

Suj.: que a força do seu olhar…

Pred.: parecia-lhe; -lhe: compl. indirecto.

No caso da omissão do clítico pessoal, a opinião deixa de estar limitada a uma só pessoa, e passa a ser geral: Parece: é opinião geral que…, é ideia de todos que…

2. Ontem arribaram seis tabuões a Porto Pim… Parece que são da melhor madeira (162)

Frase composta.

Suj: que são da melhor madeira; pred.: parece.

- que são da melhor madeira: oração subordinada, completiva, integrante, substantiva.

Suj.: (oculto, eles, os tabuões); pred.: são da melhor madeira.

Comentários:

Frase 1: O sujeito é a oração subordinada substantiva. Logo, o verbo parecer não é copulativo nesta frase. O facto de estar ligado a um pronome pessoal (parecia-lhe) retira-lhe a condição de impessoal. Mantém leve traço de modalizante.

Frase 2: é aceitável uma descrição igual à anterior: suj.: que são da melhor madeira; pred.: parece (é opinião geral).

Nestas duas frases, como nas seguintes, o verbo parecer não será copulativo, mas dotado de capacidade significativa própria.

Praguejando sempre, o Brás destrancou a porta; uma lufada de luz invadiu a casa, pareceu-lhe que lhe lavava o rosto a água fria do cântaro. (Aquilino, Terras do Demo, p. 150)

Não posso ter certeza, mas pareceu-me ver os olhos do meu pai serem invadidos por uma inesperada água. (Mia Couto, Jesusalém, 73)

Sob a sombra do «ntondo», parecia que todos tínhamos resvalado no sono (idem, p. 98)

3. Perífrases:

Frequentemente, o verbo parecer assume a função de auxiliar em perífrases. Nestes casos, a sua função é predominantemente instrumental.

As mãos pareciam proteger uma vitrina, … ( V. Nemésio, p.160)

A lancha rumava direita à canoa dianteira; mas, além de que o motor parecia por vezes fraquejar,… (idem,355)

Não há mais belo espectáculo do que um pomar em flor. As pereiras parecem vir abaixo como se…(idem, 247)

O vento avivara bastante; e a pouca vaga, rolando já larga e menos lenta, parecia vistoriar o muralhão da Doca, como o ferroviário que… (idem, 357)

…e a lancha, cada vez mais recuada, parecia andar bem (358)

O velho Clark tinha-se quase levantado, lia-se-lhe na cara…um sentimento misto de confusão e cólera. Parecia querer reter metade do que dizia nos vincos finos da testa: um largo rubor tingia-lhe as faces cavadas. (155)

Parecer, verbo transitivo?

O verbo parecer não pode ser transitivo.  Por uma razão, - ou várias: não se comporta como tal.

1. O seu hipotético complemento não suporta a deslocação  esquerda, replicando uma forma pronominal de substituição.

Aquele homem matou dois leões

    Dois  leões matou-os aquele homem

            Mas:

Parece-me que elas são bonitas

    *que elas são bonitas parece-mo

2. O verbo parecer não aceita a substituição pronominal que corresponda em género e número ao seu hipotético complemento:

Aquele homem matou dois leões

Aqueles homem matou-os

        Mas:

                Parece-me que elas são bonitas

                *Parece-mas

3.O hipotético complemento directo do verbo parecer não aceitaria a função de sujeito na formação da voz passiva:

Aquele homem matou dois leões

    Dois leões foram mortos por aquele homem

         Parece que elas são bonitas

                *que elas são bonitas é parecido

Mais importante do que estas evidências, há um argumento a que atribuo maior importância: a permuta de sentido entre o verbo transitivo e o seu argumento interno.

O verbo parecer não partilha sentido com qualquer constituinte que ocupe o lugar do argumento interno.

Consideremos a frase A vida é bela. Exprimimos por ela um conceito simples e claro

- que pode ser aceite por mim: Parece-me que a vida é bela,

- ou posso considerá-lo como uma evidência universal: Parece que a vida é bela.

Tanto  num caso como no outro, a frase  A vida é bela é o sujeito do verbo parecer.

A hipótese transitiva do verbo parecer é inaceitável. E estou em boa companhia.

«…este verbo funciona en ciertas construcciones como copulativo (Parece interessante) en otras como intransitivo que admite subordinadas substantivas de sujeito (Me parece que va a hacer mas calor) y en otras como modal (Marta parecia entenderlo).» Nueva Gramática de la Lengua Española, ERA, p, 2141).

Cf. Parece-me + complemento direto ou sujeito? ;Parece-me + complemento direto ; Parece-me + sujeito oracional .

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