O Estado francês oficializou o termo courriel para designar o correio electrónico. A medida torna obrigatório o uso da palavra na administração pública daquele país, uma vez publicada no "Journal officiel", equivalente do português Diário da República. A responsabilidade da confirmação oficial da nova palavra francesa cabe à Comissão Geral de Terminologia e Neologismo, criada em 1996 e presidida por Gabriel de Broglie, da Academia Francesa. Não se pense que é o típico chauvinismo francês. Mais que uma imposição estamos perante uma confirmação pois a medida está bem escorada: "Usado desde há muito tempo, sobretudo no Quebéc, este neologismo espalhou-se rapidamente para designar o correio electrónico", segundo o Ministério da Educação (http://www.culture.gouv.fr/culture/actualites).
Decidiu a comissão manter no entanto o termo courrier électronique como sinónimo de courriell, bem como a abreviatura mel que, apesar de nunca ter sido "proposta como termo equivalente de e-mail, continua utilizável como símbolo, nunca como nome", anteposta a um endereço electrónico - à semelhança do Tél que precede os números de telefone.
Os francófonos já o usavam de facto. Segundo o Google, a expressão "courrier électronique" está apenas ligeiramente mais difundida do que a expressão "courriel" (496 000 resultados contra 450.000, respectivamente). Não é demais lembrar que courriel segue as melhores normas da gramática, resultando da contracção das palavras courrier e électronique.
O Governo do Quebéc é, aliás, irrepreensível no bom uso de termos da Internet e das novas tecnologias de comunicação. No seu sítio oficial (www.oqlf.gouv.qc.ca) encontramos liens utils em vez do híbrido "links úteis" que se encontra nas administrações portuguesa e brasileira. E fomenta a discussão pública através de um "vocabulário da Internet − banco de terminologia" do Quebéc.
O mundo lusófono não podia ser mais antagónico perante o exemplo francês. Em Portugal pura e simplesmente não se encontra nenhuma plataforma ou iniciativa − seja política, institucional, governamental ou privada − que lance as fundações para a defesa do Português na Internet. No Brasil o panorama parece ser idêntico. O sítio Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/) ainda serviu, até há dois anos atrás, de local de debate público sobre a utilização das formas mais correctas. Apesar das boas intenções, expressas por José Saramago ("uma língua que não se defende, morre", em /outros/antologia/uma-lingua-que-nao-se-defende-morre/745) ou Fernando dos Santos Neves, reitor da Universidade Moderna ("a Lusofonia é [...] uma questão de estratégia geopolítica", ver /artigos/rubricas/lusofonias/uma-questao-de-estrategia-geopolitica/105) não há qualquer estratégia oficial ou até oficiosa. Dos portais do Governo ao Instituto Camões, passando pelas universidades não encontrámos nada. O Instituto de Informática ainda lançou um glossário de termos técnicos com adaptações ao Português, mas o projecto está igualmente abandonado.
Sem directivas, o uso de neologismos tende para o selvagem. Tomemos como exemplo os weblogs, ou blogs, a nova forma de edição de conteúdos na web. Um número crescente de portugueses, está a aportuguesar o termo blog em "blogue", sem aspas ou outra marca de neologismo − entre eles tanto bloggers como jornais do prestígio de um Público. Mas a maioria ainda resiste à inovação - talvez por a considerar apressada.
Apesar de ser apenas a quarta das línguas latinas em termos de presença na Internet, o Português é já − atrás do Inglês − a segunda língua mais escrita da blogosfera, com 54 000 weblogs, contra a dezena de milhares de blogues franceses (tradução já constante das propostas oficiais francófonas −, estatísticas de www.blogcensus.net/?page=lang). Pelo que é previsível uma enorme confusão nos próximos anos, de ambos os lados do Atlântico, entre o significado de "post", de "entrada" e de um simples comentário. Como continuamos a ter com o "emêile" (brasileiro), "correio-e" (sugerido em Portugal), correio electrónico − ou o mais antigo desentendimento fonético entre "at" e arroba (@) na formação dos endereços, com partidários acérrimos dos dois lados e nenhum árbitro para desempatar.
Artigo publicado no caderno Única do semanário português "Expresso", do dia 26 de Agosto de 2003.