DÚVIDAS

Descontentamento com o artigo
"10 expressões racistas que deveríamos tirar do nosso vocabulário"

Gostaria de manifestar meu descontentamento com a replicação do artigo "10 expressões racistas que deveríamos tirar do nosso vocabulário", retirado do portal de pseudociências Universa.

O Universa é nada mais que uma seção do portal UOL no qual se publicam baboseiras como horóscopos e se dá respaldo a pseudociências "femininas" como as propriedades mágicas de ovos de pedra inseridos em vaginas e as mulheres que "largaram tudo para serem bruxas em tempo integral". Como era de se esperar tendo em vista o lastimável portal de origem do artigo, não lhe faltam erros e afirmações sem fontes com credibilidade.

dicionário Michaelis não corrobora as historinhas contadas para atribuir a origem da maioria das expressões mencionadas. O artigo de Vera Menezes trata unicamente da metáfora negro, como em «lista negra», que é milenar e não tem conotação racial (a atribuição de sensações ruins a "escuro" é natural e verificada em inúmeras civilizações. Afinal, não é raro ter medo de escuro, mas não conheço ninguém que tenha medo do claro). Stephanie Ribeiro, por sua vez, é uma arquiteta especialista em escrever textões no Facebook, não em etimologia, linguística ou língua portuguesa. Não é fonte confiável, quer para a origem, quer para o significado, de nenhuma expressão. Denegrir, se de fato tem origem no latim denigrare (não encontrei fontes a respeito e o Michaelis aponta de+negro+ir), evidentemente antecede a própria existência da escravidão moderna e logicamente não tem conotação racial em sua etimologia. Entretanto, é compreensível o desconforto com a expressão nos dias de hoje.

Por outro lado, a etimologia atribuída a criado-mudo aparenta ter sido criada no Twitter ou em alguma conversa de bar de militantes. Não é embasada por nenhum registro histórico ou linguístico e é extremamente inverossímil. Escravos sempre custaram caro. Não é crível que parcela significativa da população tivesse dinheiro para manter um escravo segurando coisas se penduradores e móveis já existem há milênios. Mesmo se o escravo não tivesse custo, ter uma pessoa prestando esse serviço não parece conveniente. Quanto ao "mudo", é muito mais provável que seja referência à quietude do móvel – que não fala! – que ao silêncio que deveria ser mantido pelo escravo (a propósito, imagino que a nenhum escravo doméstico era dado conversar na presença dos donos). Em suma, é mais provável que a origem do termo seja uma simples metáfora.

«Nas coxas», por sua vez, tem a explicação mais absurda desse texto. Não faltam professores e etimólogos explicando que essa expressão tem cunho sexual, não racista. Mesmo que não existisse essa explicação, nenhum historiador jamais registrou essa prática ilógica e estúpida de moldar telhas em coxas.

A explicação de mulata tem respaldo histórico, mas a autora omitiu a controvérsia e a possível explicação segundo a qual o termo vem do árabe.

«Ter um pé na cozinha», embora seja inegavelmente uma expressão racista, possivelmente tenha uma origem muito mais simples e lógica, análoga a «ter um pé na cova». «Ter um pé» seria metáfora para «ser parte». Então, ter um pé na cozinha ou na senzala seria sinônimo de ser parte escravo.

A «cor do pecado», por sua vez, não necessariamente tem a ver com peles "exóticas" ou mulheres negras (até porque é expressão que se usa também para homens), mas com peles bronzeadas. «Fulano está da cor do pecado» pode se referir a uma pessoa branca que tomou sol, por exemplo.

Doméstica, por sua vez, é tão obviamente mera redução de «empregada doméstica», que é espantoso acreditar que uma jornalista tenha caído numa invenção etimológica tão bizarra. Faltou, ainda, a fonte histórica para a afirmação de que as escravas domésticas tinham pele mais clara. Doméstico, por sua vez, significa «de casa», não "domesticado". Exatamente por isso o termo «empregado doméstico» é utilizado na legislação para tratar não somente de faxineiras, cozinheiras, babás e afins, mas também de jardineiros e seguranças residenciais. Questiono a autora sobre qual termo deveria ser usado em sua substituição: «moça que trabalha lá em casa», «secretária», ou outro eufemismo mais esdrúxulo?

Resposta

Registam-se as críticas deste consulente ao texto em causa, as quais, contudo, não parecem invalidar a classificação das palavras e expressões enumeradas como típicas do discurso racista. Mesmo assim, reconheça-se que, no plano etimológico, há que tomar algumas precauções, sobretudo atendendo ao enquadramento cultural dos étimos envolvidos, o qual não tem de ser projeção da história mais recente das palavras contemporâneas.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa