Bem sei, Ilustríssimo Senhor, que me acusarão de gastar assim o tempo nestas particularidades que pertencem à meninice, de um modo tão rasteiro e fora do discurso quer ninguém, que pretende a algum grau de literatura, gastar o seu tempo em ler o que escrevo. Mas não o julgou assim Plutarco, Quintiliano nem aqueles restauradores das letras humanas Erasmo nem Luís Vives, em muitas das suas obras, ainda que decorado com o horroroso cargo de mestre de Filipe II. Estes referidos autores puseram todo o seu cuidado na educação da primeira infância, porque daqueles princípios depende a desgraça ou a felicidade de toda a vida.
Que autoridade não acharia eu para provar o que digo? Mas que provas são necessárias, quando a própria experiência nos convence e a alheia nos admoesta que ponhamos todo o nosso cuidado nestes princípios do estado e da religião?
Queixa-se David Hume e o abade de Saint-Pierre que nas escolas se enchem os juízos da mocidade de muita instrução, e que nenhum caso fazem os mestres de formar os ostumes, nem de fazer o menino bom: todo o seu desvelo é que saibam muito, que recitem de memória muitas laudas de prosa e outras tantas de versos. Seria tão necessário que os meninos que saem da escola ficassem tão bem instruídos na obrigação, que têm, de serem homens de bem como na de cristão. Cada menino, naquele tempo, aprende o seu catecismo; seria necessário que, no mesmo tempo, aprendesse outro paraário que, no mesmo tempo, aprendesse outro para as obrigações com que nasceu. Se houvesse um livrinho impresso em português (e não por aqueles feitos de letra tabelioa), onde se incluíssem os princípios da vida civil de um modo tão claro, que fosse a doutrina compreendida por aquela idade; e ao mesmo tempo, que o mestre o fizesse praticar na classe com castigos e prémios, acostumando aquela idade mais a obrar com a razão do que a discorrer: me parece que, se não saíssem dali com outro ensino, teriam aproveitado mais do que se aprendessem tudo aquilo que os pais desejam.
Se neste livrinho e catecismo da Vida Civil estivessem declaradas as propriedades do homem no estado natural, que consiste em buscar o que lhe é necessário para conservar-se, satisfazendo à fome e à sede; e que naturalmente temos aquela propriedade de imitar o que vemos com amor e com admiração; que temos naturalmente a piedade e a compaixão de ver sofrer e maltratar os nossos semelhantes; e que destes dois princípios provêm todas as acções que obramos, enquanto não forem sufocados pelos maus exemplos de soberba, de tirania, de crueldade. Que dão os +ais, as mães e os que criam aquela aurora de humanidade…
Quanto cuidado deviam ter os pais e os magistrados que as mães e as amas soubessem criar as crianças até saírem do seu colo! Em outro lugar se tocará o mal que redunda a uma nação de não criarem as mães os seus filhos.
Se os mestre destas escolas explicasse com exemplos este compêndio, que proponho, da vida civil; se o fizesse observar por acções, e habituar aquela infância a obrá-las e a fazê-las, e ao mesmo tempo, lhe inculcasse lhe fizesse aplicar este princípio em todas as suas acções: "que o homem nascido entre os homens devia obrar e fazer tudo conforme as leis estabelecidas entre eles; que a ninguém era lícito viver conforme a sua vontade, conforme a sua vontade, conforme o seu prazer e fantasia"…
[…]
A meninice é capaz desta instrução, se o mestre lhe falar na língua e na frase que é própria àquela idade, é admirável o juízo humano: na idade de três anos aprendeu um menino a sua língua - falar sem saber o que faz, com o nominativo, com o verbo no singular e no plural, no tempo, no modo, etc. o que é tão difícil aos adultos que aprendem línguas doutas ou estrangeiras, pode o menino aprender, no dia, de três ou quatro mestres sem confundir o que aprende! […]
«Sobre o ensino que deve preceder as escolas maiores, quer dizer da física e da legislação»
Parece necessário que fiquem informados todos aqueles que tiverem a educação da mocidade a seu cargo daqueles estudos intermédios que precedem as ciências das escolas maiores. Até agora, se ensinam em certos colégios, e vinham a ser aquela filosofia bárbara das Escolas com o nome de lógica, física, metafísica, nas quais perdiam o tempo de três ou quatro anos. Agora mostraremos quais devem ser estes estudos.
[…]
Falta ainda a este ensino aquela arte de dizer e de representar, por palavras e pela escritura, o que queremos que outros saibam e fiquem persuadidos, tanto pela arte de excitar as paixões dama como pela perspicuidade, elegância e urbanidade do discurso.
Esta arte de dizer ensina a retórica em prosa, E em verso a poesia. duvidaram alguns mestres da educação se a poesia devia entrar no seu ensino. […] E por esta razão mostrei eu a necessidade que tinham as escolas portuguesas de adoptar o poema de Camões para educar a mocidade, como se poderá ver no prefácio da última edição feita em Paris."
Cartas sobre a Educação da Mocidade, Porto, Ed. Domingos Barreira, s. d.