O provedor do leitor do jornal Público, Joaquim Vieira, volta a abordar um dos erros recorrentes na imprensa portuguesa: «A praga da discordância verbal em frases contendo como sujeito o pronome relativo “que”.» Na sua crónica do dia 15 de Junho de 2008, até se documentam erros de sintaxe numa crítica literária desta natureza:«Um corredor onde haviam muitas portas», «duas linhas de baldes afim de completar» e «tratam-se de títulos de revistas».
Como o provedor [do leitor do Público] já declarou, um dos seus alvos é a discordância entre sujeito e predicado quando o primeiro é o pronome relativo "que", vinculando o verbo que se lhe segue. O exemplo clássico que usou foi extraído de Os Lusíadas, onde Camões escreveu «Era este Catual um dos que estavam corruptos», e não — como muitos suporiam — «Era este Catual um dos que estava corrupto». Chamemos-lhe pois a «praga de Catual», que hoje alastra por todo o português escrito e falado, apesar de aquela personagem, pouco recomendável aos olhos do bardo, estar ilibada de qualquer responsabilidade histórica no assunto.
A melhor forma de a combater é a denúncia das frases incorrectas, que o provedor vai anotando ao ritmo da leitura, diária mas genérica, do Público. São casos como estes: «Uma das personagens que mais me persegue desde a infância» (P2, 08 de Junho, pág. 12); «Uma das partes da América que se foi mais abaixo com a Grande Depressão» (P2, 28 de Maio, pág. 5); «Matar animais pequenos era um[a] das brincadeiras que mais gozo lhe dava» (P2, 27 de Maio, pág. 12); «Um dos investigadores que tem trabalhado na edição crítica da obra do poeta» (26 de Maio, pág. 6); «Tarantino é daqueles que quado descobre um cineasta através de um filme precisa de “ver todos os filmes desse cineasta, de acentada”» (P2, 26 de Maio, pág. 4 — também com erro em «acentada», que é «assentada»); «Um dos falsos trailers que acompanhou a sessão dupla» (mesmo artigo); «Foi um dos golos que mais gozo me deu marcar» (Pública, 25 de Maio, pág. 46); e «Um dos vários livros que preserva frases dessa época»(P2, 10 de Maio, pág. 5).
Nesta luta, o provedor tem contado com a atenta observação dos leitores, que por vezes lhe enviam o seu próprio registo de anomalias. Como o tradutor Francisco Agarez (F. A.): «Estou solidário consigo 'na sua permanente luta contra a praga da discordância verbal em frases contendo como sujeito o pronome relativo que». Peço-lhe que não esmoreça nessa luta, embora receie que o assaltem com frequência sentimentos de desânimo, tão frequentes e desenfreados são os ataques dessa praga no Público. (...) [A 23 de Maio], na secção de recensões de livros do Ípsilon, vamos encontrar a praga à solta no artigo de Mário Santos [M. S.] sobre o livro de Julio Cortázar O Jogo do Mundo [pág. 52]. A meio do primeiro parágrafo, lê-se: «... nem é só um dos livros que, entre Pedro Páramo (...) e Cem Anos de Solidão (...), ajudou decisivamente...»; e (...) mais adiante: «... um dos romances que mais experimentou e que conseguiu...» Percebe-se assim melhor o critério de um recenseador de livros que considera “pormenores que não desluzem uma tradução competente” estas três pérolas de sintaxe: “um corredor onde haviam muitas portas”, “duas linhas de baldes afim de completar” e “tratam-se de títulos de revistas”. Cinco estrelas para M. S. (tantas quantas ele atribui ao livro recenseado)!»
À ironia responde M. S. no mesmo tom (o que o provedor enaltece): «1) No melhor pano cai a nódoa, valha-me a auto-ironia! 2) Ler e recensear a mata-cavalos, o ritmo que nos é imposto (sendo a tarefa mediocremente remunerada, aliás), tem alguns inconvenientes. Eu mal tempo tenho para ler, quanto mais para rever o que escrevo. 3) Se houvesse a 'jusante' uma revisão competente, pelo menos... 4) Eventuais atenuantes não invalidam o erro. Tem o sr. tradutor F. A. razão. Errei clamorosamente. Resta-me seguir o alto exemplo do sr. primeiro-ministro José Sócrates. Peço desculpa aos portugueses leitores e prometo não voltar a prevaricar».
Entre aspectos preocupantes que M. S. suscita mas estão fora da alçada do provedor (a «tarefa mediocremente remunerada», por exemplo), um deles já aqui foi sublinhado: a questão da revisão — fulcral num diário de referência fazendo gala no rigor do seu jornalismo e na correcção dos seus erros —, que o provedor não sabe se é incompetente ou inexistente.
Muitas outras falhas de concordância entre sujeito e predicado, em circunstâncias diferentes, deveriam também ser prevenidas ao nível da revisão. Como exemplos recentes (alguns detectados por leitores), o provedor anota os seguintes: «A redução das portagens de mercadorias vão vigorar apenas durante meio ano e são apenas aplicadas aos utilizadores da Via Verde e do Via Card» (destaque de artigo, 13 de Junho, pág. 4); «Os países onde a imprensa é mais livre, mais madura e apresenta maior diversidade e capacidade de investigação não conta com nada disto» (3 de Junho, pág. 43); «A conjuntura política e a crise que já está a desenhar-se e que parece inevitável vai exigir uma conjugação de esforços» (P2, 31 de Maio, pág. 3); «Crise acbou: remessa de (2) emigrantes superam verbas do QREN» (título de primeira página do Inimigo Público, 30 de Maio); «Mexer nos impostos sobre gasolina nunca impediriam a sua contínua subida» (30 de Maio, pág. 51); «Investir na casa e nos apetrechos que lhe permitem melhorar a sua condição física justificam-se» (Pública, 25 de Maio, pág. 45); «O aumento anormal dos preços no consumo estão a levar muitos portugueses a optar pelos supermercados mais baratos» (25 de Maio, pág. 1); «Quebra dos níveis de confiança na indústria, construção e comércio a retalho contribuíram para este abrandamento" (entrada de artigo, 24 de Maio, pág. 40); «A táctica de Uribe em organizar fugas para a imprensa (...) não tinham conseguido que Caracas e Quito cortassem relações com as FARC» (17 de Maio, pág. 18); "O reverso da medalha, da moeda boa ou má, só deverá ser mostrada quando receber os partidos» (14 de Abril, pág. 11); «Nem o facto de ter sido condenado em Fevereiro a uma pena de prisão suspensa (...), pela prática de dois crimes de peculato e um de falsificação de documentos (...), o inibiram» (9 de Abril, pág. 9); «É um título cujos custos de edição '(...) é muito acessível'» (4 de Abril, pág. 10).
Já agora, é importante que se esclareça a discordância existente no título a quatro colunas «Ricardo e Quim, os 'yes man' de Scolari», inserido na pág. 33 da edição de 27 de Abril. Sendo que o plural da palavra inglesa man (homem) é men, a formulação correcta seria «Ricardo e Quim, os yes men de Scolari».
O que, tudo somado, torna pertinente a sugestão de F.A. em post scriptum ao seu protesto: «Seria descabido que o Público passasse a inserir (semanalmente?) uma coluna do tipo 'O Público errou' dedicada exclusivamente aos pontapés na gramática?»
Por falar disso, o provedor acharia interessante incluir também nessa secção os pontapés na ortografia. Que dizer, na realidade, da inopinada aparição da letra h em circunstâncias tão estranhas como "O meu interesse pela selecção portuguesa não se compara há minha paixão pelo FC Porto» (P2, 9 de Junho, pág. 2) ou «No PSD houve-se uma multidão» (P2, 6 de Abril, pág. 3)?
Recomendação do provedor. Independentemente das chamadas de atenção para o rigor, habituais nesta coluna, e tendo em conta que nenhum destes erros foi corrigido, sublinha-se que pelo menos os lapsos com números aqui mencionados (e outros que venham a ocorrer) deveriam ser rectificados em "O Público errou".
Uma relação difícil
Quem faz o Público tem por vezes dificuldade com números, e em particular com datas. Esta semana registou-se até um engano no cabeçalho da edição em papel de quarta-feira, 11 de Junho, que vinha datada como "Ter 11 Jun". Houve logo quem alertasse o provedor.«"Bem pode o Presidente da República pedir aos portugueses para serem exigentes e rigorosos consigo próprios», comentou a leitora Arie Somsen. «No Público não se liga muito». A data da edição, a primeira coisa que aparece ao cimo da primeira página do Público, é entendida como marca sagrada em cada periódico e mais lida do que se pensa.
«Toda a gente sabe perfeitamente que Jerusalém-Leste foi ocupada em 1867», escrevia-se a 5 deste mês na pág. 21. O provedor não sabia, pensava que fora em 1967.
«A selecção de râguebi da África do Sul (...) pediu aos seus compatriotas que 'redescubram o espírito da reconciliação' que se verificou em 1974, depois de terminado o período do apartheid», dizia-se por outro lado na pág. 17 em 24 de Maio. Também aqui se antecipou a História: o apartheid só terminou duas décadas mais tarde (em 1974 Nelson Mandela ainda teria mais 16 anos de prisão).
«O escritor italiano Curzio Malaparte (...) chamava-se no dia em que nasceu, a 9 de Junho de 1957, Kurt Erich Suckert», dizia-se na 2.ª pág. do P2 de 9 de Junho, acrescentando-se: «Mas em 1925 passou a usar um pseudónimo: Curzio Malaparte.» Não se explicava como é que Malaparte mudara de nome 32 anos antes de nascer, porque na verdade havia-se baralhado as datas do seu nascimento (9 de Junho de 1898) e da sua morte (19 de Julho de 1957). Vários leitores reagiram indignados. Judite Castro foi branda: «Só chamo a atenção, não comento.» Mas João Vasconcelos Costa abriu as hostilidades: «Coisas destas não se podem desculpar como pequenos erros naturais. Trata-se de grosseira negligência profissional, com que cada vez mais frequentemente o jornal brinda os leitores.» E Artur Lopes Cardoso, que diz aguardar «explicação científica para tanta actividade intelectual antes do nascimento», rematou: «E é isto um jornal de referência? Tenham dó! Um pouco de cuidado na edição nunca fez mal a ninguém.»
«É muito provável que o Presidente da República marque eleições conjuntas para o Parlamento e para as câmaras mais cedo do que se pensava: talvez Junho ou Julho de 2909», aparecia escrito na crónica de Vasco Pulido Valente (V. P. V.) a 30 de Março. Como não estamos em Angola (onde até se promete eleições para breve), é muito provável que seja um pouco mais cedo. E era também V. P. V. que escrevia a 1 deste mês, a propósito das últimas presidenciais: «Na euforia da época, quase ninguém notou que, na segunda volta, o dr. Cavaco pouco excedeu os 50 por cento.» Na euforia do fecho da edição, ninguém notou que, nessas eleições, não houve segunda volta.
In Público, 15 de Junho de 2008.