No excelente artigo Inverdade e mentira + erro e desacerto, na linguagem jurídica, da autoria de Miguel Faria de Bastos, estabelece-se com acerto e proveito, entre outros matizes, a destrinça entre erro e desacerto, a qual, na pena do ilustre causídico, me parece até mais curial do que aquela que propugna Antenor Nascentes no seu Dicionário de Sinônimos (3.ª edição, Editora Nova Fronteira, 1981, p. 176), quando diz que «Desacerto é o erro cometido por irreflexão ou inadvertência», enquanto «Erro é o ato de não fazer certo, de não tocar no ponto certo».
No referido artigo, depara-se-me, porém, a seguinte frase, que me merece alguns reparos, por conter uma afirmação com a qual não posso manifestar a minha cabal concordância:
«Já em linguagem informática, a palavra erro aparece frequentemente como tradução infiel da palavra inglesa error, que tem, dentro desse contexto terminológico, o significado de "avaria" ou "disfunção" (o correspondente inglês da palavra portuguesa erro é mistake). O erro, em português, é sempre humano, nunca de uma máquina. Por isso, quando na pantalha dum computador aparece a palavra error, a tradução correta para português é "avaria" ou "disfunção" – e não erro, como é comum ler-se.»
Conquanto seja verdade que «o erro, em português, é sempre humano, nunca de uma máquina», como, aliás, se deduz do velho aforismo latino errare humanum est, «errar é próprio do homem» (pese embora a possível metaforização do conceito, como na expressão «erro da natureza», para referir apenas um exemplo bem conhecido), não me parece que se possa afirmar taxativamente que, em linguagem informática, a tradução do inglês error por «erro» seja «infiel», nem que «o correspondente inglês da palavra portuguesa erro» deva ser sempre mistake. Em informática, na verdade, também há desacertos de origem humana, cometidos de forma involuntária, tanto na programação como na introdução de dados por parte do utilizador, pelo que julgo ser procedente qualificá-los como «erros». Por exemplo, quando um utilizador se engana na introdução da sua palavra-passe, é justificável que a máquina responda com a mensagem «erro» (error, em inglês), por se tratar, de facto, de um erro, e não de uma avaria ou de uma disfunção, termos que, aliás, têm geralmente outras conotações. Uma avaria, no que concerne a um computador ou outra máquina ou aparelho, refere-se habitualmente a um dano físico, que incide sobre certas peças ou circuitos, enquanto a disfunção se aplica mais amiúde ao foro patológico.
Ainda no reino da informática, refira-se também o termo falha, que é certamente preferível a erro (e aí dou plena razão ao articulista), quando não haja evidência de intervenção humana direta, como neste caso, infelizmente de fatais consequências, ou nestoutro, ambos recentes.
Valha ainda a advertência de que nem sempre é fácil discernir ou delimitar com precisão os campos semânticos de pares de termos como error e mistake em inglês, ou erreur e méprise em francês, error e yerro em castelhano, error e erratum em latim, Irrtum e Fehler em alemão, fel e misstag em sueco, eraro e malĝustaĵo em esperanto, etc.
Em relação ao par error/mistake, por exemplo, V. H. Collins, no seu The choice of words. A book of synonyms with explanations (Longmans, Green and Co, 1956), menciona estes vocábulos em dois verbetes, um referente a mistake, error, fallacy (p. 106) e outro a solecism, mistake, error, jargon, catachresis, howler (p. 168) considerando-os implicitamente como sinónimos, pois em ambos os casos fala de mistake or error ou de mistake and error, sem qualquer destrinça. Já David Greenspan, que se intitula Word lover («amante de palavras»), neste artigo, disserta com bastante engenho sobre a matéria e, embora advertindo que os campos semânticos dos dois vocábulos se sobrepõem parcialmente (There is some overlap in these terms), explica que um mistake, «em termos gerais, é uma escolha que se mostra errada», enquanto um error se classifica como tal «tomando como referência um código, modelo ou conjunto de regras ideal, que teria ditado uma ação diferente».
Greespan refere-se igualmente ao emprego de error e mistake no campo informático. Diz ele que «os computadores cometem errors quando não são capazes de executar alguma tarefa que estava programada, como efetuar a ligação à Internet ou guardar um ficheiro» (casos em que, como referi anteriormente, a tradução correta seria «falha»), acrescentando que «os computadores só cometem mistakes quando dão uma resposta errada a alguma pergunta» (caso em que a tradução correta seria «erro»). Conclui, com certo donaire, que «Não concebemos que os computadores exerçam ações de forma voluntária nem possam ser responsabilizados por elas, exceto em caso de personificação humorística, pelo que só por graça diríamos que “O computador cometeu um mistake crasso quando não guardou o meu ficheiro”. No entanto, poderíamos dizer, com toda a propriedade, que “O computador do aeroporto cometeu um mistake quando me chamou David Greenspan”, por se tratar de um dado erróneo».
No campo jurídico, de acordo com Dictionary of Law, compilado por Elisabeth Martin (Oxford University Press, 3.ª edição, 1996), um mistake é «um equívoco (misunderstanding) ou uma convicção errónea (erroneous belief) em matéria de facto ou de direito» (p. 254), enquanto um error é classificado como «um erro jurídico (mistake of law) numa sentença, despacho judicial ou fase processual». Com estas definições parece concordar Maria Chaves de Mello, que, no seu Dicionário Jurídico Português-Inglês-Português (Pergaminho, 6.ª edição, 1994), na parte de inglês-português, traduz mistake por «erro; engano; lapso» (p. 382) e error por «erro judiciário; erro» (p. 315). Já na parte de português-inglês, desdobra erro em dois verbetes: «ERRO. 1 mistake (ato ou omissão resultante do desconhecimento ou de interpretação errônea da realidade»; «ERRO. 2 error (vício de julgamento, é o erro cometido pelos órgãos julgadores)». (p. 87).
Para terminar, refira-se que, no terreno linguístico, de acordo com este artigo, que cita H. Douglas Brown em Principles of Language Learning and Teaching (Prentice Hall Regents, 1994, p. 205), um error «resulta da falta de adequado conhecimento gramatical por parte do aluno», enquanto um mistake é «uma falha na utilização correta de um dado sistema». Desconheço se, em língua portuguesa, será habitual fazer-se alguma destrinça vocabular entre estes dois conceitos a nível pedagógico, ou se, como suspeito, caberão ambos no campo semântico de erro.
[Cf. réplica de M. Faria de Bastos: As várias conceptualizações do termo erro]