«[...] Entre os nove substantivos e um adjectivo (desta vez não há verbos), há uma adopção por via do inglês empowerment. Só que o luso neologismo engendrou um palavrão esteticamente detestável, aparvalhadamente snob e que as pessoas comuns jamais conhecem e usam: empoderamento! Enfim, um empobrecimento de um empolamento por causa de um necessário e prévio empossamento sujeito, às vezes, a um emprazamento judicial. Tudo, evidentemente, sem apodrecimento (sobretudo monetário). Palpito que, para o ano, vamos gramar com “performante”... [...]»
Começou a votação para a palavra de 2016, excelente iniciativa da Porto Editora desde 2009. Foram seleccionadas dez palavras: Brexit, campeão, empoderamento, geringonça, humanista, microcefalia, parentalidade, presidente, racismo e turismo (hélas, sem versões acordistas!)
Palpito que geringonça vai vencer. Se tal acontecer, será a vitória do calão, assim fazendo jus à sua presença crescente na linguagem oral e nas redes sociais. Um vocábulo da política deste ano, cognome da maioria governamental, que teima em querer contrariar o que, nos dicionários, significa algo «mal engendrado, tosco e desenculatrado».
Palavras da política já haviam ganho, em 2010 com austeridade e em 2011 com o fugaz neologismo já desfeito pelo tempo, entroikado. A propósito de palavras vencedoras de moda efémera e estrangeirada, logo descartadas do uso e da memória, o caso mais estranho aconteceu em 2010 com a onomatopaica sul-africana vuvuzela.
Como somos importadores vocabulares (com saldo negativo, pois não exportamos quase nada, nem para o Brasil), lá vem, no rol designado, o Brexit, em homenagem à língua de Shakespeare, o que, porém, nunca aconteceu com o quase Grexit.
Entre os nove substantivos e um adjectivo (desta vez não há verbos), há uma adopção por via do inglês empowerment. Só que o luso neologismo engendrou um palavrão esteticamente detestável, aparvalhadamente snob e que as pessoas comuns jamais conhecem e usam: empoderamento! Enfim, um empobrecimento de um empolamento por causa de um necessário e prévio empossamento sujeito, às vezes, a um emprazamento judicial. Tudo, evidentemente, sem apodrecimento (sobretudo monetário). Palpito que, para o ano, vamos gramar com “performante”…
Nos últimos anos, surgiram palavras ligadas à saúde. Este ano é microcefalia por causa do vírus zika, antes dos Jogos Olímpicos, entretanto “desaparecido” depois daquele evento. Antes, foram legionela e ébola.
Curioso é a engenhoca da geringonça ter feito desaparecer antipáticas palavras do mundo financeiro: PEC, défice, desemprego, orçamento (todas em 2010), austeridade e desemprego, esta repetente (em 2011), imposto, cortes, TSU (em 2012), swap (em 2013), banco (em 2014), plafonamento e privatização (em 2015). E a dívida, que aumenta silenciosamente, ainda não teve um lugarzinho de “dama de honor” (ou “cavalheiro de honra”, para não ferir susceptibilidades de “género”)?
Em relação a anos anteriores, há menos palavras com carga negativa (apenas racismo e microcefalia) contra sete no ano passado (jihadismo, ébola, legionela, corrupção, cibervadiagem e até basqueiro e banco). Ao invés, há termos com uma conotação claramente positiva (turismo, humanista, presidente e campeão). Será que está alteração vai pesar nos indicadores de confiança do INE?
Há ainda uma (boa) diferença face a anos anteriores: não há palavras escolhidas apenas porque marcaram os últimos meses, dado que a escolha foi mais homogénea considerando a totalidade do ano. Se tivesse vigorado o “sistema FIFO” (“first in, first out”), lá teríamos mais palavras de fim-de-ano, como por exemplo declaração (patrimonial), licenciatura (falsa) caça (ao homem), sobretaxa, Caixa, Agosto (mês de todos os simpáticos aumentos), cuspo, etc. E quem sabe, domingo, quer dizer, Domingues.
Enfim, entre amigos da geringonça e amigos da onça, venha o diabo e escolha!
No Reino Unido, venceu a pós-verdade (post-truth). Já cá está chegando esse eufemismo para dar ar científico à mentira. Até lá, vamos xurdir (uma das palavras de 2014), que é como quem diz, fazer pela vida.
in Público de 6 de dezembro de 2016, tendo-se respeitado a norma ortográfica anterior ao Acordo Ortográfico seguida pelo autor e pelo jornal português.