«(...) Na altura em que discutimos e aprovámos este Acordo, tínhamos admitido algum aperfeiçoamento. É como a legislação – há sempre alguma incongruência, alguma dificuldade, mas isso pode ser resolvido através do Vocabulário Ortográfico Comum, que está a ser elaborado pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa (...), organismo da CPLP encarregado da política da língua. [Por isso,] não faz sentido estar a tomar iniciativas unilaterais que não sejam através deste instituto. (...)»
[João Malaca Casteleiro, em entrevista ao jornal digital "Observador", do dia 13 p.p.]
João Malaca Casteleiro tem 80 anos e é membro da Academia das Ciências de Lisboa desde 1979
Os filhos estão sempre a dizer-lhe para se deixar disso, mas João Malaca Casteleiro acredita que tem de defender a sua “dama”. A sua “dama”, como lhe chama, é o Acordo Ortográfico de 1990, que ajudou a construir (foi ele, aliás, o principal responsável da Academia de Ciências de Lisboa pela elaboração do documento e autor do anexo de seis páginas que o encerra) e que tanta polémica tem causado.
No final do passado mês de janeiro, a Academia de Ciências de Lisboa divulgou um documento intitulado Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico, onde são sugeridas alterações a algumas das regras do Acordo Ortográfico. Entre elas incluem-se o regresso de algumas consoantes mudas, do acento agudo em palavras acentuadas na penúltima sílaba (e com pronúncia e grafia iguais), do acento circunflexo em vocábulos homógrafos, isto é, que se escrevem da mesma forma. O documento foi discutido na semana passada na Comissão Parlamentar da Cultura, onde foi ouvido o atual presidente da Academia, Artur Anselmo, a pedido do Bloco de Esquerda.
Apesar de muitos acreditarem que as Sugestões da Academia de Ciências de Lisboa poderão vir a desencadear um processo de alteração do chamado Novo Acordo Ortográfico, o ministro dos Negócios Estrangeiros [Augusto Santos Silva] já fez questão de dizer que isso está fora de questão. «A nossa posição é que devemos aguardar serenamente para que o processo de ratificação seja concluído para que o Acordo Ortográfico possa entrar em vigor em todos os países que o assinaram e o aprovaram», disse Augusto Santos Silva, explicando que este é um «acordo internacional» a que o Estado português está obrigado.
As declarações de Santos Silva levaram Manuel Alegre, que também esteve presente na audição da Comissão Parlamentar da Cultura, a acusá-lo de ser «arrogante», numa das muitas polémicas que o Acordo Ortográfico de 1990 já provocou e que João Malaca Casteleiro admite não conseguir compreender. É que, na altura da sua aprovação, a contestação foi pouca. Os governos de Portugal, Brasil e dos outros países de língua portuguesa mostraram-se de acordo, e os linguistas de cá e de lá também.
Passados quase 30 anos, o linguista afirma que nunca pensou que ainda estaria a falar do mesmo assunto. Apesar disso, sente que tem de o fazer para que todos percebam o que estava e está em causa, que nada foi feito ao acaso e que o Novo Acordo Ortográfico, tal como é, foi a melhor solução final possível. Apesar de defender com unhas e dentes o acordo que ajudou a criar, o linguista não põe de lado eventuais aperfeiçoamentos
Não põe de lado eventuais aperfeiçoamentos, mas acredita que nada deve ser alterado até que entre em vigor em todos os países de língua portuguesa (falta Angola). Tece fortes críticas à Academia de Ciências, que acredita que está a desrespeitar a memória da própria instituição, uma das principais responsáveis pelo acordo hoje vigente, e ao seu atual presidente, que quer levar a cabo “um desmantelamento” do Acordo.
Entrevista publicada no jornal digital Observador, no dia 13 de janeiro de 2017, tendo-se mantido a norma anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 do original. As fotografias são também do Observador, de Henrique Casinhas, com os nossos agradecimentos.