Facto e fato, a Base IV e a entrevista de Pinto Ribeiro
Como saberá quem leu o texto do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), fato e facto mantêm e manterão as respectivas grafias. Ponto final. Não se pode dizer, como disse José António Pinto Ribeiro, no Diário Económico (edição em linha de 6/2/2010)1, que «"Ato jurídico" é fácil, agora "fato" em vez de "facto"...». Não se podem produzir estas afirmações, por um motivo muito simples: fato em vez de facto significa (à luz do texto do AO 90) que o escrevente enquanto falante não pronuncia a oclusiva velar [k]. Trata-se do chamado "critério fonético" e das chamadas "dupla grafia" e “facultatividade”, erros crassos em matéria ortográfica e pedras angulares do AO 90. Recorde-se, no entanto, que, ao contrário da norma do português do Brasil, a norma do português europeu sanciona a pronunciação do c de facto. Logo, facto, sem margem para dúvidas, na norma do português europeu.
Como sabe quem leu o texto do AO 90 e quem comparou as opções técnicas nele inscritas com, entre outras, a teoria de Seymour, há dúvidas e mais que dúvidas «de que as escolhas linguísticas e filológicas tenham sido as mais adequadas» (ed. cit.). Que fazer perante a dúvida sobre a qualidade dum instrumento político? Adoptá-lo? Creio que não e tenho doutrinas para basear a minha asserção: doutrina jurídica e doutrina política.
Como disse o professor Freitas do Amaral (um defensor da regionalização): «Pior do que não ter a regionalização será fazer uma má regionalização, isto é, uma regionalização mal estudada, mal concebida ou mal executada. Bom seria, por conseguinte, que o assunto fosse objecto de um exame sério e profundo; que não se tomassem decisões precipitadas sem base em estudos sólidos de carácter técnico (...) Quando não, a regionalização do Continente português será fatalmente um projecto condenado à partida.»2
Como disse o presidente do Brasil, Lula da Silva, na Cimeira de Copenhaga: «O que nós não estamos de acordo é que as figuras mais importantes do planeta Terra assinem qualquer documento, para dizer que nós assinamos documento.»3
Não se compreende por que motivo, tendo o AO 90 celebrado, no dia 21 de Agosto de 2009, dezoito anos em Diário da República, ainda haja quem hoje confunda facto e fato e que não se tenham tomado em tempo útil medidas para dissipar as dúvidas sobre o facto «de que as escolhas linguísticas e filológicas tenham sido as mais adequadas». É essencial reler a Base IV do AO 90 e é urgente rever as "escolhas linguísticas" nela consagradas.
1 http://economico.sapo.pt/noticias/gostaria-de-ter-varias-vidas_80892.html
2 AMARAL, Diogo Freitas do (2009), Curso de Direito Administrativo, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, Vol. I, p. 674
3 “Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão plenária de debate informal na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-15) - Copenhague/Dinamarca” (http://www.info.planalto.gov.br/).
