Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
347K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor
O léxico do combate aos incêndios florestais
A vaga de calor de julho de 2022 em Portugal

Alguns termos e expressões mais correntes na comunicação pública a respeito da grave crise dos incêndios florestais e rurais em Portugal, sobretudo nas regiões do Centro, durante a intensa e prolongada vaga de calor da primeira quinzena de julho de 2022.

Pergunta:

Um "conceito" de algo (seja o que for) é, por definição, singular... Assim, sendo religião um conceito antropológico, admitir o plural "religiões" será erróneo...

Resposta:

Sem prejuízo da análise crítica do conceito de religião, não está errado, do ponto de vista estritamente linguístico, empregar o plural religiões, porque religião também se define como «doutrina» – «cada uma das diferentes doutrinas humanas que propõem uma explicação para a origem, ordenação e destino do universo» (Infopédia).

Sendo assim, sabendo que se distinguem termos como cristianismo, islamismo ou budismo como denominações de diferentes doutrinas religiosas, é legítimo empregar religiões.

Pergunta:

«Estamos a contar que ele chegue ao aeroporto cedo» ou «Estamos a contar com que ele chegue ao aeroporto cedo»? O «com» é necessário? De outro modo, o sentido de contar não será diverso?

Obrigado, desde já.

Resposta:

O com, que é uma preposição, é possível, mas não é necessário.

Se a preposição for omitida, como muitas vezes acontece, não há diferença semântica. Na verdade, a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 1870-1872) evidencia a possibilidade de o verbo contar, no sentido de «esperar, acreditar», poder usar-se sem a preposição com antes de uma oração completiva (exemplos retirados da fonte referida):

(1) «O Pedro conta com [que eles venham por volta das dez].»

(2) «O Pedro conta [que eles venham por volta das dez].»

A frase 2 mostra que a omissão da preposição com não lhe retira gramticalidade.

Pergunta:

Como já foi escrito neste sítio, na Resposta a "Taquicardia" (dada por Carlos Rocha, 13 de novembro de 2013), o consenso académico coloca taquicardia, com o acento [tónico]em di, como a pronúncia correta.

Contudo, a minha dúvida vai no sentido de que o segundo elemento desta palavra provém do étimo grego κᾰρδῐ́ᾱ (kardíā); ao passar esta palavra para o latim científico (fonte de infinitos termos médicos), colocamo-la sob a regra da penúltima, que nos diz que a penúltima sílaba, por ser breve (a sílaba grega original é um iota breve), perde o acento, que passa para a antepenúltima sílaba.

Deste modo, o termo médico em latim científico tachychardia passaria a pronunciar-se com acento na antepenúltima sílaba, como o seu termo cognato em português, taquicardia, do mesmo modo como ocorre na pronúncia espanhola de taquicardia?

(Nota: na Resposta a "A pronúncia e o acento de ambrósia" (Carlos Rocha, 18 de maio de 2021), o iota breve de ἀμβροσία (ambrosía) também faz com que, na transposição latina, o acento passe para a antepenúltima sílaba.)

Resposta:

A questão dos termos científicos formados por radicais gregos não tem tido um tratamento uniforme, e, portanto, há muitas exceções, como parece ser o caso das palavras terminadas em -ia, incluindo a diferença prosódica entre taquicardia e ambrósia.

É verdade que muitos termos cultos e científicos formados por elementos de origem grega passam pela sua adaptação ao latim, donde depois foram ou são transmitidos ao português, conforme observa M.ª Helena T. C. Ureña Prieto et al., em Do Grego e do Latim ao Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 11):

«Regra geral e tradicional é a de supor sempre, real ou teoricamente, os nomes [gregos] recebidos por mediação do latim e aplicar-lhes a regra da acentuação latina. Deste modo serão graves ou paroxítonos os polissílabos que tenham a penúltima sílaba longa; serão esdrúxulos ou proparoxítonos os que tenham a penúltima sílaba breve.»

Contudo, a mesma fonte assinala que «a acentuação das palavras terminadas em -ia em português é oscilante» (ibidem, p. 37), fundamentando-se nos critérios formulados em 1940, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (mantém-se a ortografia do original consultado):

«A prosódia dos sufixos de origem grega é regulada, como convém, pela quantidade etimológica. Recebe, porém, tratamento especial o sufixo -ia, cuja prosódia depende das várias condições históricas do seu uso, o que faz que em muitos casos seja tónico e noutros seja átono. Temos, por exemplo:

a) com acentuação n...

Pergunta:

O nome Vladimir pertence à onomástica da língua portuguesa?

Caso não pertença, qual seria a versão aportuguesada do nome?

Resposta:

É um nome de origem eslava1, que passou ao português por via do francês Vladimir (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Lìngua Portuguesa).

Tem uma configuração que permite o seu uso na língua portuguesa, sem alterações, como comprova o registo da forma Vladimir no Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa (1999), da Academia Brasileira de Letras2. Neste mesmo vocabulário, também se regista e legitima a forma Vladimiro, que tem uma forma do género feminino, Vladimira.

Assinale-se que Vladimiro é aportuguesamento já antigo, pois tem registo no Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Línga Portuguesa (1913), de Gonçalves Viana. O nome Vladimira está consignado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa que a Academia das Ciências de Lisboa publicou em 1940.

 

1 O nome eslavo será um composto em que se associa vladĭ, «comandar», and mēri, «grande, famoso» (consultar Vladimir, na Wikipédia em inglês). É possível que reflita algum contacto com elementos germânicos (ibidem).

2 Esta fonte também consigna Wladimir, forma, no entanto, discutível, porque w continua limitado a grafias estrangeiras.