Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora
O léxico do combate aos incêndios florestais
A vaga de calor de julho de 2022 em Portugal

Alguns termos e expressões mais correntes na comunicação pública a respeito da grave crise dos incêndios florestais e rurais em Portugal, sobretudo nas regiões do Centro, durante a intensa e prolongada vaga de calor da primeira quinzena de julho de 2022.

Oceano
Da palavra e da divindade

A Conferência dos Oceanos, realizada em Lisboa, chama a atenção para a palavra oceano, que é o ponto de partida da crónica de Carla Marques para o programa Páginas de Português (Antena 2), numa viagem à mitologia associada à palavra. 

Impasse e empasse
Das palavras parónimas

A relação gráfica entre impasse e empasse e os significados distintos das palavras. Este é o tema da crónica professora Carla Marques, divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 26 de junho de 2022.

Pergunta:

Na frase «Encontramos ele só na praia», qual a função sintática de ?

A palavra exerce a função de adjunto adnominal? Ou complemento nominal? O pronome ele aceita adjunto adnominal?

Obrigado.

Resposta:

Antes de mais, importa referir que, na frase apresentada, o pronome ele desempenha a função de objeto direto, pelo que se deveria optar pela forma átona do verbo:

(1) «Encontrámo-lo só na praia.»

Como recorda Bechara, «O pronome ele, no português moderno, só aparece como objeto direto quando precedido de todo ou (adjetivo) ou se dotado de acentuação enfática, em prosa ou verso»1.

No que respeita à questão colocada, poderemos recordar que o verbo encontrar é usado muito frequentemente como transitivo direto:

(2) «Encontrei o João.»

Mas também poderá ser usado como transitivo-predicativo:

(3) «Encontrei a Rita triste.»

Neste caso, o verbo encontrar pedirá como argumentos um complemento direto e um predicativo do complemento direto.

É este o caso da frase apresentada. Assim, se atentarmos na frase que se apresenta em (1), poderemos verificar que o pronome (l)o desempenha a função de complemento direto e a de predicativo do complemento direto.

Por fim, um pronome pode ser acompanhado de um adjunto adnominal, tal como acontece em expressões como «ele mesmo»

Disponha sempre!

 

1. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Lucerna, p. 147.

Pergunta:

Minha dúvida é singela – e, talvez, um tanto desarrazoada –, mas me martela há muito.

Expressões como «conviver com» e «compartilhar com» não seriam redundantes? Quando um prefixo já sugere a ideia de uma preposição, o que fazer?

Agradeço muito!

Resposta:

Note-se, antes de mais, que os valores dos prefixos que integram determinadas palavras não estão sempre presentes para todos os falantes, pelo que a consciência de repetição de que fala poderá não determinar certas escolhas gramaticais.

Não obstante, no âmbito dos estudos morfológicos, alguns autores defendem que os verbos formados com o prefixo co[n]- devem ter um sujeito agentivo plural (1). Poderão, todavia, ter um sujeito singular, podendo a pluralidade ficar implícita ou ser explicitada por meio de um constituinte introduzido pela preposição com (2)1:

(1) «Eles convivem.» / «Eles compartilham o lanche.»

(2) «Ele convive com os amigos.» / «Ele compartilha o lanche com a amiga.»

Nestes últimos casos, a presença do constituinte introduzido pela preposição com permite explicitar quem são os agentes da situação descrita pelo verbo, a qual implica, como se disse, um agente plural devido à presença do prefixo con-.

Disponha sempre!

 

1. Cf., por exemplo, Susana Nunes, Prefixação de origem preposicional na língua portuguesa. Dissertação de Doutoramento em Linguística Portuguesa apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2011, pp. 103 – 104.