«[...] Mais problemático é saber o que deve ler um aluno de nível de iniciação ou nível intermédio. Conseguirá ele ler as notícias que se publicam todos os dias nos jornais? Conseguirá ler ensaios? Consegue ler literatura? No fundo, conseguirá ele ler textos que foram escritos originalmente para leitores que falam português como língua materna? A resposta parece óbvia e é não.»
Toda a gente sabe que quanto mais uma pessoa lê, mais ela aumenta o seu vocabulário, a sua capacidade de ler e escrever, o que resulta em ganhos no uso correto de estruturas gramaticais e ortografia.
Se isto é verdade para falantes nativos do português, é também verdade para alunos de português língua estrangeira. E não se pense que o Português Língua Estrangeira é um nicho de atividade que envolve apenas meia dúzia de pessoas. Basta ver que, frequentemente, surgem notícias – muito otimistas – sobre congressos e ações de divulgação do português no mundo. Lá fora e cá dentro há de facto um grande número de pessoas a aprender português.
Portanto, através da leitura extensiva de um livro, o aluno de português língua estrangeira consegue sair do âmbito das tradicionais atividades escolares de aprendizagem de uma língua, para se dedicar à compreensão de um sentido, de uma mensagem, de uma ideia, de uma história, que lhe está a ser comunicada numa língua que ele ainda não domina bem. Ou seja, ele está a lidar com a língua não como objeto de estudo, mas ele está a lidar com a língua como um real mecanismo de comunicação. Está a usá-la para compreender um estado de coisas que lhe está a ser comunicado. Está a usá-la, pela primeira vez, numa situação real de comunicação.
Tudo isto é pacífico. O que talvez seja mais problemático é saber o que deve ler um aluno de nível de iniciação ou nível intermédio. Conseguirá ele ler as notícias que se publicam todos os dias nos jornais? Conseguirá ler ensaios? Consegue ler literatura? No fundo, conseguirá ele ler textos que foram escritos originalmente para leitores que falam português como língua materna? A resposta parece óbvia e é não.
Com o objetivo de dar a ler textos acessíveis a alunos que ainda não têm a proficiência suficiente para ler um texto original, surgiram os chamados textos adaptados ou textos simplificados. São textos criados propositadamente para este público, com base em obras originais, que reduzem o vocabulário e a complexidade das estruturas sintáticas.
O texto simplificado não quer rivalizar com o texto original. Não se trata de fazer um plágio. Não se trata de ter a pretensão de manter a riqueza estética e comunicativa do texto original. O aluno sabe que está a ler uma versão simplificada de um texto bastante mais complexo. Ele lê-o com o intuito de aprender a língua e ao mesmo tempo preparar terreno para mais tarde, quando tiver mais proficiência, poder ler a obra original.
Os textos adaptados são muito populares para o inglês e pertencem hoje à indústria editorial dos materiais de ensino daquela língua: editoras prestigiadas como a Oxford, a Cambridge, a Penguin, a Macmillan oferecem abundantes séries de livros de leituras adaptadas para diferentes níveis. O exame First Certificate in English prevê, na parte da avaliação da escrita, que o aluno possa elaborar um texto que verse sobre um tópico da leitura de duas obras propostas, justamente na versão adaptada para o nível B1.
Para o espanhol, a edição de obras adaptadas iniciou-se em 1987, nas editoras Edelsa, Santillana e Espasa.
Para o francês, temos a editora Hachette, para o russo, a Biblioteka Zlatousta, para o japonês, a editora White Rabbit Press.
Para o português, o contraste não podia ser maior. A leitura extensiva de textos adaptados é uma realidade praticamente ignorada por professores e pedagogos. Os poucos livros que existem – adaptações de Eça, Camilo e Fernão Mendes Pinto, pela editora Lidel – e de autores brasileiros, como Machado de Assis, Lima Barreto, Bernardo Guimarães, pela Hub Editorial, são julgados apenas como deturpações sacrílegas dos grandes autores da língua portuguesa.
Crónica transmitida no programa Páginas de Português, da Antena 2, no domingo, 7 de outubro, às 12h30* (com repetição no sábado seguinte, 13/10, pelas 15h30). O programa Páginas de Português pode também ser ouvido aqui. Hora oficial de Portugal continental.