«[...] A primeira vez que ouvi "Chéquia" como proposta de denominação do país foi nos anos 1990, da boca de um linguista. Confesso que na altura a palavra me surpreendeu, mas rapidamente percebi que se tratava de uma forma bem construída [...].»
Irrompeu na Comunicação Social, a propósito da Liga das Nações da UEFA-2022/23, o inquietante topónimo "Chéquia" para denominar o país geralmente conhecido como República Checa, forma que muitos nunca haviam decerto ouvido ou lido. O sururu ficou montado! E não, não é por acaso que escolho esta palavra que, no Brasil, nomeia os plebeus mexilhões[1], mas que por cá usamos para falar de confusões, desordens e conflitos. Nada como o futebol para, com uma simples palavrinha (qual efeito-borboleta da teoria do caos), gerar um grande sururu.
Comecei por ir visitar o sítio em português da UEFA, na página referente à Nations League 2022/23 – Oh! A Liga das Nações fica tão mais chique, cosmopolita e fofinha quando designada Nations League num texto escrito em português! – e verifiquei, com alguma surpresa, que o país é aí chamado «República Checa», pelo que, acredito, a Chéquia se há de ter intrometido nesta história algures no noticiário sobre a competição.
A República Checa (Tcheca, no Brasil) ou Chéquia (Tchéquia) é um país da Europa Central, constituído por duas grandes regiões, a Boémia a oeste e a Morávia a leste, e por parte da Silésia. O reino da Boémia tem uma longa história de submissão e a República da Checoslováquia foi formada em 1918, após o colapso do Império Austro-Húngaro, no final da Grande Guerra. Em 1948, a Checoslováquia tornou-se um país da esfera soviética, tendo sido palco, em 1968, da Primavera de Praga, movimento que terminou com a invasão do país por Exércitos do Pacto de Varsóvia. Em 1989, a chamada Revolução de Veludo pôs fim à invasão e, em 1993, as Repúblicas Checa e Eslovaca tornaram-se países independentes.
A primeira vez que ouvi Chéquia como proposta de denominação do país foi nos anos 1990, da boca de um linguista. Confesso que na altura a palavra me surpreendeu, mas rapidamente percebi que se tratava de uma forma bem construída, integrando-se etnónimo e topónimo em paradigma com muitos outros pares existentes e reconhecidos (e.g. eslovaco-Eslováquia, esloveno-Eslovénia, grego-Grécia, sueco-Suécia, árabe-Arábia), boa candidata, portanto.
No Dicionário de Gentílicos e Topónimos (Portal da Língua Portuguesa), no Vocabulário Toponímico (VOC, CPLP) e nas páginas do Ministério dos Negócios Estrangeiros continua a figurar República Checa; porém, em outras instituições e publicações do Estado (e.g. Diário da República) surge Chéquia. A denominação consta, ainda, desde 2018, da Lista dos Estados, territórios e moedas, Anexo 5 ao Código de Redação Interinstitucional, da UE, instituição onde os nossos técnicos têm feito pela harmonização do uso formal do português aquilo que os sucessivos governos deste país se têm recusado a fazer.
À falta de um organismo que em Portugal proceda à resolução, esclarecimento, fundamentado e sistemático, e disseminação deste tipo de questões (e sobretudo à falta de vontade política de o criar), tem sido o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, criado há 25 anos (vd. crónica de 17-01-2022), que tem prestado esse imprescindível serviço à sociedade portuguesa, de forma generosa e empenhada. É, pois, no Ciberdúvidas, que encontramos informação relevante: uma nota ao texto de Abertura de 2 de junho de 2016 refere que «Em abril de 2016, o governo checo aprovou a adoção oficial da forma curta Česko, a par de Ceská republika, ou seja, República Checa. A forma portuguesa correspondente a Česko é Chéquia [...]».
Em suma, Chéquia é uma forma nova, mas legítima, em processo de integração. Não tem sururu.
[1 N. E. – No entanto, sururu tem também registo na aceção de «briga envolvendo muitas pessoas; fuzuê, rolo, sororó» (Dicionario Houaiss).]
Crónica publicada no Diário de Notícias, em 13 de junho de 2022.