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Variantes popular e culta no português europeu

Brasileirismos ou arcaísmos lusitanos?

« (...) Há mais o que nos une do que aquilo que nos separa. (....)»
 
A breve lista* que segue apresenta formas variantes populares de diferentes dialetos portugueses (umas arcaicas e outras atuais) seguidas de suas formas variantes cultas.
O objetivo é atestar que muito do que se entende por "brasileirismo" nada mais é do que arcaísmo lusitano ou formas dialetais lusitanas cicatrizadas na fala popular ou interiorana do português brasileiro — ainda que com alguma ligeira diferença cá e acolá.
Vejamos:
home - homem
tamẽi - também
arma - alma
Ansermo - Anselmo
le - lhe
tá - está
fumos - fomos
andemos, cheguemos - andamos, chegamos
semos/samos - somos
Zé - José
Xiculate - chocolate
cueles - com eles
precurar - procurar
cumo - como
im - em
bão - bom
viero, foro - vieram, foram
cumpreto - completo
inzeminar - examinar
mulesta - moléstia
a giente bamos brincar - a gente vai brincar
memo - mesmo
premeiro - primeiro
úrtimo - último
munto - muito
sinhor - senhor
Olaia - Eulália
forum - foram
andaro - andaram
Lisboua - Lisboa
contia - quantia
cramor - clamor
inda qué mais - ainda quer mais
sorda - solda
assuceder - suceder
águar doces - águas doces
dir-me - diz-me
proguntar - perguntar
tabalião - tabelião
sastifeito - satisfeito
dromir, drumir - dormir
vareia - varia
vinhesse, binhesse - viesse
inté - até
onte - ontem
num - não
auga - água
cum - com
inducar - educar
largata - lagarta
pranta, prantar - planta, plantar
piqueno - pequeno
queto - quieto
Tisso - Tirso
diligença - diligência
Haviam muitas pessoas - Havia muitas pessoas
armofada - almofada
amenhã - amanhã
antão - então
abobra - abóbora
antonte - antes de ontem
xicra - xícara
carcunda - corcunda
dipois, despois - depois
meidia - meio-dia
veve - vive
tauba - tábua
exeste - existe
alembrar - lembrar
apois - pois
barboleta - borboleta
bença - bênção
enzemplo - exemplo
inguento - unguento
janta - jantar
inzame - exame
marelo - amarelo
marme - mármore
mintira - mentira
murta - multa
oclos - óculos
ordes - ordens
relojo - relógio
de formas que - de forma que
Etc.
Quanto mais investigarmos a língua portuguesa, em todas as suas variedades, mais comprovaremos este fato:
— Há mais o que nos une do que aquilo que nos separa.
.........................…..
* Extraíram-se tais palavras da grande lista registrada nas páginas 113 a 117 do livro "A língua do Brasil" (1981), do filólogo brasileiro Gladstone Chaves de Melo, que, por sua vez, as extraiu dos "Opúsculos" (1928) do filólogo português Leite de Vasconcelos.
E assim finaliza Gladstone, que não acreditava nessa história de "língua brasileira", e sim de língua portuguesa à brasileira:
"Aí está! Creio que muitos leitores ficaram surpresos de em Portugal se encontrarem tantas formas populares no Brasil, as quais se diriam deturpações estranhas ao gênio e às tendências fonéticas da língua. Donde se vê que a 'língua brasileira' é muito 'portuguesa' demais.
E note-se que o cotejo foi feito apenas com o dialeto interamnense, recolhendo-se formas dos vários lugares da região de Entre-Douro-e-Minho. Se buscáramos falares de outras regiões — Trás-os-Montes, Beiras, Alentejo, Extremadura —, novas coincidências encontraríamos. Mas o que aí fica é suficiente e convincente.
Do exposto se patenteia a existência de outro elemento na linguagem popular brasileira: dialetismos portugueses em grande cópia.
Algumas das formas atrás arroladas são arcaísmos; muitas outras são resultados de evolução própria da fonética dialetal.
Se não levarmos em conta a redução das flexões, podemos dizer, sem medo de errar, que a linguagem popular brasileira, com a sua impressionante uniformidade, representa nada mais que um SINCRETISMO DE DIALETOS CONTINENTAIS PORTUGUESES. Tal sincretismo se deve à variada e arbitrária procedência e distribuição da imigração portuguesa no Brasil, desde os primeiros tempos.
Eis aonde nos conduz um estudo sereno e desapaixonado da questão da "língua brasileira", estudo feito sem retórica mas apoiado em FATOS."
 

 

Fonte

Apontamento publicado no mural do gramático brasileiro Fernando Pestana no Facebook (17/04/2025).

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