Do ponto de vista linguístico, qualquer língua é considerada um sistema heterogéneo, aberto e dinâmico, que se carateriza pela diversidade do seu uso pelos falantes. Ao se entender a língua como uma construção histórica, facilmente se percebe que, ao longo dos séculos, as normas foram sofrendo mudança. Pois, cada época, cada área geográfica, cada comunidade, têm os seus traços linguísticos próprios, com léxico, construções frásicas e pronúncias que se distinguem entre si. O português, como qualquer outra língua, é marcado pela variação no tempo, no espaço e na sociedade, tal como dão conta Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo: «a norma pode variar no seio da mesma comunidade linguística, seja do ponto de diatópico (português de Portugal / português do Brasil / português de Angola), seja do ponto de vista diastrático (linguagem culta / linguagem média / linguagem popular), seja, finalmente, do ponto de vista diafásico (linguagem poética / linguagem de prosa)»1. Isto significa que o português que cada um fala e escreve varia consoante a idade, a região, o grupo social ou profissional a que pertence.
Contudo, todos os falantes devem dominar a variedade considerada norma, uma vez que esta é a modalidade da língua escolhida por uma sociedade enquanto referência de comunicação. Portanto, entende-se a norma linguística como um código que se ensina para falar e escrever a língua de forma ideal (norma/padrão). No fundo, a norma-padrão é o escopo para o qual tendem os membros da sociedade mas que nem sempre é atingido, na medida em que o padrão real, comportamento mais frequente, nem sempre coincide com o padrão ideal, tal como explicam Maria Helena Mira Mateus e Esperança Cardeira em Norma e Variação: «o que os falantes sentem como correto corresponde ao padrão ideal (norma-padrão) e a forma como realmente agem corresponde ao padrão real (ou norma objetiva)»2.
A norma linguística reflete apenas uma parte do uso da língua e é determinada de duas formas: pelas fontes escritas e pela língua falada. Todavia, nem todas as fontes escritas e nem toda a língua falada fundamentam a codificação de uma língua, uma vez que esse processo é desenvolvido pelas “autoridades da língua”, que são aqueles que a comunidade reconhece como bons escritores e um número restrito de falantes modelares. Isto significa que a norma geralmente não é determinada pelo facto de um grande número de falantes usar uma certa variante, mas antes por uma rede complexa de elementos sociais e linguísticos. Fundamentalmente, a norma corresponde a um padrão ideal, uma abstração, enquanto a fala corresponde aos atos de fala reais, que atualizam diferentes padrões que se aproximam ou afastam da norma, sendo isto correspondente à variação linguística.
A importância da escola no ensino da norma e variação linguística
O acesso à escola e aos meios de comunicação faculta a cada falante a compreensão de uma norma culta, socialmente valorizada e que se aproxima da norma-padrão. Ao ensinar-se a língua materna na escola, o objetivo é fazer com que os alunos dominem a norma. Cada um aprende a sua língua materna com a família e aqueles que o rodeiam muito antes de entrar na escola, mas para dominar um conjunto de regras de uso da língua é necessário o ensino formal. A norma considerada culta não é um modelo natural e, por isso, precisa de ser transmitida e ensinada. O papel da escola deve ser, tal como Maria Helena Mira Mateus e Esperança Cardeira defendem em Norma e Variação, «evitar a exclusão, facultando a todos o conhecimento do padrão linguístico e a competência para o utilizarmos»3.
O ensino da língua, ao promover um conhecimento linguístico consciente, deve superar o saber falar e escrever e permitir uma reflexão sobre a complexa rede linguística de uma comunidade, uma vez que a escola não deve ser castradora da variação linguística. É importante ensinar que qualquer língua é composta por variação e que todas as suas variedades são legítimas, mas que nem todas são adequadas a certas circunstâncias de uso. Cabe a cada falante saber usar a variedade da língua que é mais aceite pela comunidade como referência de comunicação e adequar cada registo linguístico às diferentes situações do quotidiano. E para que cada um perceba isso, será sempre necessário a escola.
1CUNHA, Celso, CINTRA, Lindley, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Edições João Sá da Costa, p.10.
2MATEUS, Maria Helena Mira, CARDEIRA, Esperança, Norma e Variação. Caminho, p.24.
3Ibem, p.28