« (...) De modo geral, "língua nacional" é uma língua falada num certo território ou país, que reflete uma herança étnico-cultural e faz parte da consciência nacional; em muitos casos as línguas nacionais são matéria-prima de literaturas específicas. Dito de outro modo, podemos considerar que uma língua nacional é uma língua autóctone, ou considerada como tal pela comunidade linguística. O conceito e a referência de "língua nacional" variam de país para país. (...)»
No âmbito das comemorações do Dia Mundial da Língua Portuguesa, fui convidada pela embaixada e pelo Centro Cultural de Cabo Verde a participar na Conferência Desafios das línguas nacionais e da língua portuguesa nalguns países da CPLP - Contextos locais/Desafios Globais. Houve participantes de vários países, que falaram das situações linguísticas respetivas. A língua nacional de Cabo Verde é o crioulo, ou língua cabo-verdiana, cujo estatuto, situação sociolinguística e ensino se encontram longe de resolvidos; muitas foram as intervenções que focaram esta questão. A mim tocou-me falar sobre as línguas nacionais portuguesas.
De modo geral, "língua nacional" é uma língua falada num certo território ou país, que reflete uma herança étnico-cultural e faz parte da consciência nacional; em muitos casos as línguas nacionais são matéria-prima de literaturas específicas. Dito de outro modo, podemos considerar que uma língua nacional é uma língua autóctone, ou considerada como tal pela comunidade linguística. O conceito e a referência de "língua nacional" variam de país para país. Frequentemente, as línguas nacionais são definidas no enquadramento jurídico de cada Estado (e.g. na Constituição), que as discrimina e estabelece os direitos dos seus falantes e os deveres das autoridades relativamente às comunidades que as falam. Uma questão interessante é, e.g., se Estados que foram antigas colónias europeias consideram (ou não) que as línguas europeias (que tantas vezes adotaram como línguas oficiais) fazem ou não parte das suas línguas nacionais. A questão tem vindo a ser discutida em países da CPLP relativamente ao português.
Se comparado com países como Angola, Brasil, ou Moçambique, com as suas muitas línguas nacionais, até podemos achar que Portugal é um país monolingue. Não podemos estar mais longe da realidade, porém, se pensarmos nas dezenas de línguas, especialmente de imigração, que são hoje faladas no nosso país. É certo que praticamente todos os portugueses se reveem na língua portuguesa (e o "praticamente" é sobretudo recurso retórico), consideram-na língua-mãe, língua de identidade, parte de si mesmos. Não restam, pois, dúvidas de que o português é a principal língua nacional em Portugal, falada pela esmagadora maioria dos habitantes. Além do português, temos uma segunda língua nacional, autóctone, com reconhecimento oficial, que é o mirandês, da qual falarei neste espaço, na próxima semana.
Mas será que há outras línguas nacionais em Portugal? Imediatamente me ocorre a língua gestual portuguesa (LGP), autóctone (i.e., específica de Portugal e diferente de qualquer outra língua gestual), reconhecida oficialmente, falada pela comunidade surda portuguesa e língua materna de parte significativa dos surdos que a adquirem na infância, seja dos seus progenitores, seja dos pares e educadores. Tanto quanto conheço, ainda que seja discutível se ela "reflete uma herança étnico-cultural", a LGP é parte integrante da identidade da comunidade surda em Portugal. Acredito, assim, que se pode considerar a LGP uma língua nacional de Portugal.
E as línguas das comunidades imigrantes, algumas há várias décadas entre nós? O português tem vindo a ser reconhecido por países de língua oficial portuguesa como língua nacional desses países, à medida que cresce o número de falantes que o têm como língua materna. Em sentido inverso, virá algum dia Portugal a acolher como "línguas nacionais" as suas principais línguas de imigração?
Artigo da autora publicado no Diário de Notícias de 14 de junho de 2021.